eccom entrevista
tema: NOVO CALENDÁRIO ELEITORAL E A CRISE POLÍTICA
Juliana Freitas
Doutora em Direito (2010 - UFPA/ Università di Pisa - Itália). Mestre em Direitos Humanos (2003 - UFPA). Pós-Graduada em Direito do Estado (2006 - Universidade Carlos III de Madri - Espanha). Graduada em Direito (1998 - Universidade da Amazônia). Atua como Consultora Jurídica e Advogada na área eleitoral e municipal.
O IMPACTO DA PANDEMIA NO CALENDÁRIO DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2020
A crise pandêmica de COVID-19 já produziu nocivos e concretos efeitos nas diversas relações humanas. Este cenário obrigou governos ao redor do mundo a adotarem medidas de prevenção com o intuito de frear a disseminação do vírus, dentre as quais se destaca o isolamento social que tem como objetivo de evitar aglomerações. À vista disso, ao longo dos últimos meses, cresceram as inquietações acerca da viabilidade da realização das eleições de 2020, sendo até suscitada a possibilidade de unificação das eleições.
Diante dessa conjuntura, no dia 02 de julho, foi aprovado pelo Congresso Nacional a Emenda Constitucional nº 107/2020, o texto prevê o adiamento das eleições e determina a realização do primeiro turno no dia 15 de novembro e segundo turno no dia 29 de novembro – as datas oficiais eram dia 4 e 25 de outubro. A emenda influencia todos os prazos eleitorais previstos, como registro de candidaturas e início da propaganda eleitoral gratuita, assim como o planejamento dos partidos para a disputa eleitoral pelos Executivos e Legislativos municipais. Em relação a esse contexto, temos duas perguntas:
A primeira é: como a senhora analisa os impactos da Emenda Constitucional nº 107 no calendário eleitoral?
É preciso que entendamos qual o contexto gerado pela COVID-19 no ano de eleições municipais, no que toca ao processo eleitoral. Nós tínhamos, então, alguns cenários, e ao que me parece, alguns deles desfavoráveis e inconstitucionais; desfavoráveis à legitimidade democrática do processo eleitoral, e inconstitucionais porque contrários à base, à estrutura do nosso Estado Democrático de Direito, fundado num governo republicano e, portanto, que requer alterações no cargo, a temporariedade do mandato, exatamente nos termos em que provocou a manifestação do eleitor e da eleitora quando decidiu confiar politicamente num determinado candidato ou candidata para que ficasse os próximos 4 anos naquele mandato.
E eu me refiro nesse ponto ao fato de que dois dos contextos completamente contrários a essa perspectiva foram suscitados nos bastidores da política, que era o da possível e eventual unificação das eleições para que ocorressem todas as composições apenas em 2022, ou uma eventual prorrogação de mandatos dos gestores municipais, do executivo e do legislativo municipal, para que as eleições acontecessem em 2021. Ao que me parece, essas duas opções eram completamente inconstitucionais. E aí nós tínhamos, então, um cenário de que as eleições fossem realizadas no primeiro domingo de outubro, nesse ano de 2020, ou prorrogadas nesse ano, ainda que sem repercutir na prorrogação de mandato. E de todas essas 4 opções que eu trouxe aqui, ao que me parece, o adiamento das eleições foi a de menor impacto causado, considerando essa diversidade gerada pela COVID nas nossas regiões e nas cidades brasileiras.
A segunda é “quais são os efeitos do adiamento das eleições no registro das candidaturas?”
No que toca ao registro de candidatura, o que nós temos com a EC 107, é que houve a prorrogação de várias fases do processo eleitoral e, consequentemente, também em relação às convenções, ao registro de candidatura, à campanha, para que houvesse a possibilidade desse adiamento, dessa prorrogação, e desse acompanhamento das fases eleitorais, sem prejudicá-las, sem diminuir a sua importância e o seu cenário no ambiente do processo eleitoral, mas com a garantia ou tentativa de garantia nesse processo, a segurança de todos nós que estamos envolvidos nesse processo, seja como eleitores ou canditados e candidatas. Então, veja, existe um dilema aí e ao que me parece, esse denominador comum ou essa métrica encontrada para tentar resguardar não apenas a vida e a saúde de todos nós em tempos de pandemia, mas também de garantir a efetividade e a legitimidade democrática do processo eleitoral, foi o melhor caminho encontrado.
A CRISE DA PANDEMIA E OS NOVOS CAMINHOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Com a chegada do Coronavírus no Brasil e o seu avanço pelo país, foi possível observar um descompasso entre as ações adotadas pelo Governo Federal e as adotadas por cada unidade da federação. Essa confusão “normativa-executiva” mais desorientou, agravando a crise, do que forneceu as diretrizes essenciais para os gestores e a população. Como consequência disso, houve uma maior provocação do STF, para que ele ditasse quais decretos e orientações iriam prevalecer.
Além da desorientação, para a senhora “há possíveis consequências jurídicas negativas ocasionadas por esse enorme dissenso normativo entre o Governo Federal, os entes federados e os municípios”? Se sim, quais são?
Eu confesso a vocês que essa leitura do nosso modelo e pacto federativo não provoca em mim a interpretação de que existe um enorme dissenso no que toca à estrutura, à previsão normativa. Pelo contrário, a interpretação que eu faço é que a distribuição de competências definida pela Constituição em relação às unidades da federação, inclusive, apresenta muito bem como se dá e como deve ocorrer essa lógica de atuação das unidades da federação em um contexto como esse que nós estamos vivendo, que é o da pandemia. E por que eu digo isso? Quando nós abrimos a Constituição no art. 23, que nos traz o rol de competências administrativas comuns a todas as unidades da federação, nós fazemos a leitura de que cada unidade da federação brasileira vai atuar no âmbito da sua circunscrição, portanto, os Municípios em nível local, os Estados em nível regional, o Distrito Federal em nível distrital e a União em nível federal. E cada um deles, nos limites impostos por essa circunscrição e no exercício da sua legitimidade autônoma e democrática, deverão criar políticas públicas com base no art. 23, inciso I, que sejam capazes de zelar e guardar a Constituição. E se é essa finalidade, portanto, nós entendemos que compete a cada unidade da federação garantir a efetivação dos princípios condutores do nosso Estado Democrático de Direito e da nossa Constituição, garantir a vida, a igualdade, a saúde, porque nisso consiste zelar e guardar a nossa Constituição. Quando nós analisamos o art. 23, inciso II, nós também vamos identificar como sendo uma competência comum, a todas as unidades da federação, cuidar da saúde pública, dar assistência e prestar esse serviço público. E quando nós seguimos para o art. 24, que nos traz o rol de competências concorrentes legislativas da União, dos Estados e do Distrito Federal, mais precisamente no seu inciso XII, nós vamos identificar que compete a essas unidades da federação legislar sobre matérias relacionadas à saúde pública.
Então, eu confesso para vocês que, sob a minha perspectiva, não existe um conflito ou uma confusão normativa, o que existe é o não cumprimento da Constituição por aqueles que ocupam os espaços de poder. O que existe é uma substituição das pessoas às instituições, no sentido de quererem ser superiores às instituições, essas instituições que são garantidas pela Constituição, inclusive para efetivação da nossa democracia. O que existe, no meu entendimento, é a substituição de escolhas pessoais, de ocasionismos, de caráter volitivo à segurança jurídica definida como uma escolha política pelo Constituinte de 1987.
Então, ao que me parece, a confusão é muito mais induzida por arbitrariedades em razão do não cumprimento da nossa Constituição, que traz sim esses parâmetros de atuação das unidades da federação. E lógico, nós identificamos uma sociedade que acaba hierarquizando a atuação das unidades da federação, muito inclusive em razão do fato da própria União ter o rol de competências extenso. Então, nós identificamos as unidades da federação a partir de uma hierarquia, quando, na verdade, deveriam atuar em forma de cooperação. O povo brasileiro acaba por priorizar aquilo que se diz em nível federal do que atender muito mais, por exemplo, as determinações dos governos locais ou estaduais, quando são esses governos que são os mais próximos da sociedade, porque o ônus de prestação de serviço público, de atendimento das necessidades coletivas lhes compete. Nós temos um desequilíbrio muito evidente nesse nosso modelo federativo quando o ônus da prestação dos serviços recai muito mais sobre as esferas local e estadual do que federal, e a arrecadação dos tributos, por exemplo, incide de uma forma muito maior sobre a União. Então esse descompasso se reflete nessa falta de diálogo e, portanto, na própria fragilidade das instituições, e aqui eu trago as instituições sob a perspectiva das unidades da federação, quando um representante acaba querendo ser mais importante ou ter mais força política ou hierarquizar a sua atuação num contexto que deveria ser de cooperação, de planejamento e de diálogo entre esses gestores.
Uma questão importante que marcou as eleições de 2018 foi a influência das Fake News no seu resultado. O debate em volta desse problema tem se intensificado nos últimos meses, tendo em vista a possibilidade de as notícias falsas causarem o mesmo impacto negativo nos resultados das eleições de 2020. Algumas redes sociais, como o Whatsapp, criaram funções especificamente para o combate dessas notícias falsas, como a identificação de “mensagem encaminhada” que aparece nas mensagens que as pessoas reenviam para grupos e amigos.
Considerando tudo isso, nós gostaríamos que a senhora falasse o que pensa sobre isso: se realmente esse problema da influência das notícias falsas nas eleições se repetirá em 2020?
Sobre as Fake News, é importante nós percebermos que, desde que o mundo é mundo, elas sempre existiram. O que nós temos agora é uma potencialidade dessas Fake News, e aqui sob essa perspetiva do processo eleitoral, em razão da sua disseminação através dos meios tecnológicos, das redes, da internet.
É importante que nós entendamos que as Fake News não são simplesmente mentiras contadas, mas sim notícias inverídicas que têm uma finalidade específica de implicar e de influenciar no resultado de uma eleição, positiva ou negativamente sob a perspectiva daquele que as divulga ou as dissemina. Ao que me parece, e essa é uma perspectiva que tem me chamado muita atenção, as medidas que são adotadas ou cogitadas, em regra, para o combate às Fake News, vêm muito sob a perspectiva da restrição e limitação das nossas liberdades, e isso me preocupa em demasia, porque as nossas liberdades são garantidas em nível constitucional, e apenas em nível constitucional podem vir a ser eventualmente limitadas, não competindo aos legisladores infraconstitucionais qualquer tipo de restrição a essas nossas liberdades.
Quando nós falamos em Fake News e de impacto no processo eleitoral, ao que me parece, nós temos que enfrentar muito mais questões relacionadas à educação digital, à educação política do que o cerceamento das nossas liberdades; é essa que deve ser a última ou nem constar como sendo uma opção.
O instituto liberdade digital, que é inclusive dirigido pelo professor Diogo Rais, da Mackenzie, traz uma análise bem interessante para entendermos como as Fake News são utilizadas como instrumento eleitoral, o que é extremamente nefasto para a legitimidade democrática do processo, e como são encontradas e propostas as tentativas de coibi-las, tornando o processo ainda mais contaminado. O instituto liberdade digital traçou uma pesquisa nos estados-membros da federação brasileira e identificou que, neste ano da COVID, que também é um ano de eleições municipais, os atos praticados pelos nossos gestores estão relacionados, ainda que não expressamente ditos, às eleições. Nesse ano de 2020, a quantidade de projetos de lei relacionados à criminalização das Fake News em nível dos Estados foi muito superior do que nos anos anteriores. O contexto que nós temos é: a sociedade preocupada em garantir a saúde, a vida, em sair ileso desse processo pandêmico, leia-se sob a perspectiva biológica, sanitária e econômica, e os nossos representantes muito mais preocupados em criminalizar as Fake News. Nós temos, inclusive, propostas no Estado do Pará e em outros Estados, no sentido de atribuir multa. A elaboração do projeto foi muito questionada, porque trazia a previsão de uma censura prévia, o que é absolutamente inconstitucional e contrário às nossas bases democráticas. E quando nós identificamos projetos de lei em nível estadual criminalizando a liberdade de expressão e de manifestação de pensamento com a aplicação de multa, nós percebemos, de fato, como que esse diálogo institucional não funciona no nosso país. Aqui, mais uma vez, traz-se à baila a questão da cooperação que deveria existir entre as unidades da federação e do respeito à nossa escolha política, em especial, porque com base no art. 22, inciso I, da Constituição Federal, compete à União dispor, legislar sobre matérias de natureza penal.
Então, vejam, nós temos vários impactos que são provocados pelas Fake News e nós não podemos, e esse é um entendimento muito claro meu, enfrentar esse debate apenas sob a perspectiva do Direito. Nós não temos expertise para isso, precisamos tornar esse debate plural, democrático e universal definitivamente. Mas quando me refiro a essa pluralidade, estou falando que nós precisamos nos aliar aos profissionais de outras áreas para que possamos, de fato, entender quais os melhores caminhos que nós podemos trilhar, porque nós no campo do Direito somos incompetentes sob a perspectiva técnica, profissional, de encontrar um só caminho, então esses diálogos precisam ser aprimorados.
E agora nós temos a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que é um outro ponto que tem que nos chamar atenção. Em especial, de forma muito conveniente, a Lei entra em vigor com uma série de lacunas e contradições no ano de eleições municipais, muito embora seja necessária. Então nós precisamos entender como que, especialmente, em ano de eleições municipais, nós queremos encontrar remédios para problemas que devem ser solucionados em momentos que não estamos preocupados com a composição desses campos políticos. São situações que têm que ser encontradas, estudadas e deliberadas de forma mais cautelosa.
Então, eu acredito que algumas regiões vão sofrer mais impacto dessa divulgação de Fake News do que outras. Nós sabemos que os Estados da região Norte do país acabam sendo menos impactos por essa disseminação, em razão da internet ser precária, do fato de que muitos municípios não têm acesso à internet, então as Fake News lá são muito mais boca a boca e, portanto, a potencialidade é menor, ainda que ela exista. Mas eu acredito que elas, sim, vão existir e, sim, vão gerar impactos diferentes nas mais de 5.000 localidades que nós temos no Brasil adentro, considerando a própria potência da internet variar muito.
Mas eu também acredito que nós temos que pensar no combate às Fake News muito menos no seu caráter repressivo – porque ao que me parece os caminhos que vêm sendo trilhados acabam cerceando muito as nossas liberdades, como a questão de se cogitar a possibilidade de restrição de encaminhamento de mensagem de WhatsApp – e muito mais no seu caráter preventivo, pela conscientização, educação política e educação digital.
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, recentemente discursou defendendo que o Congresso deveria estabelecer um prazo de oito anos para magistrados e membros do Ministério Público disputarem eleições após deixarem os cargos públicos. O ministro afirma que isso evitaria “demagogia” por parte dos magistrados e membros do MP. Nós gostaríamos de saber a sua avaliação técnica sobre a proposta do ministro, tendo em vista os parâmetros do direito eleitoral e constitucional.
É necessário enfatizar, mais uma vez, o nosso papel em uma sociedade democrática, plural e diversa, como a nossa deveria ser, especialmente no contexto em que a própria Constituição Federal preza pelos limites de atuação de Poderes do Estado, Legislativo, Executivo e Judiciário e pelo fortalecimento dessas instituições.
Me parece absolutamente questionável o fato de um ministro do STF sugerir ou propor, porque fere a sua própria imparcialidade, ao sugerir qualquer tipo de projeto de lei que fuja da competência do judiciário. Não cabe ao judiciário ou ao seu integrante, antecipar o julgamento de interpretação desde que não tinha sido provocado na esfera competente, e, portanto, na esfera judicial.
De muitas formas, temos percebido que o judiciário, especialmente no tocante as questões eleitorais e ao processo eleitoral, e talvez muito em razão do fato de que a própria justiça eleitoral tenha uma natureza peculiar e muito questionável, no que se refere a sua função normativa, então, tanto a justiça eleitoral especializada, quanto o próprio Supremo Tribunal Federal acabam, na seara do eleitoral, agindo para além dos limites impostos pela Constituição. É um ponto que deve ser chamado atenção, porque é necessário para que nós enfrentemos debate acerca das estabilidades dessas instituições – Poder Legislativo, Executivo e Judiciário - e da nossa Constituição Federal.
No que toca ao mérito da sugestão dada pelo Ministro, eu acredito que essas inelegibilidades já existentes, muitas até mesmo inconstitucionais, elaboradas por legislação infraconstitucional, trazidas pela Lei Complementar n. 64/90, que é a Lei das Inelegibilidade e posteriormente alterada pela Lei Complementar n. 135/2010, conhecida por todos como a “Lei da Ficha Limpa”, e elas trazem já algumas inconstitucionalidades.
Sobre esse período de vacância e ausência na participação política, eu acredito que não pode, eventualmente, qualquer debate nesse sentido ser isolado. Se nós formos pensar nessas inelegibilidades e nesses afastamentos do processo eleitoral, nós temos que pensar no sistema como um todo e em todas as perspectivas, por exemplo, também em relação ao fato dos desembargadores eleitorais que compõem a justiça eleitoral. Não adianta nós pensarmos em soluções fracionadas, talvez com a intenção de alcançar determinados sujeitos. Eu sou absolutamente contra isso. Se é para pensar nesse período de afastamento de algumas pessoas que participaram e exerceram cargos, temos que pensar como um todo. Nossos desembargadores, como exemplo, que atuam perante o Tribunal Regional Eleitoral, todos os Estados, pelo Quinto Constitucional, são advogados eleitorais, mas não possuem um período de afastamento quando se encerra a atuação no Tribunal Regional Eleitoral.
Então, aqueles que estão no desembargo pelo “quinto”, falando como conselheira da OAB, eles não possuem um período de afastamento após como atuação de juízes eleitorais da advocacia eleitoral. Então se é para pensar nesses cerceamentos e limitações à atuação política, nós temos que pensar em todo o contexto. Se a finalidade é de garantia à legitimidade democrática, então que possamos pensar em todas as esferas e todas ou a partir de todas as Instituições, pois é muito questionável, primeiro a manifestação do Ministro e segundo, no mérito, pois então vamos pensar em todas as formas de garantir essa legitimidade a partir desses afastamentos, seja por inelegibilidade eventual e isso tem que ser pensado com muita cautela, mas definitivamente um ponto eu afirmo, nós não podemos cogitar mudanças fracionadas direcionadas para um público exclusivo por conveniência ou ocasionais de momento.
Temos que pensar em toda a conjuntura política atual e todas as funções e atribuições que possam eventualmente implicar na fragilidade desse processo, além da contaminação e desequilíbrio do mesmo. É nisso que eu acredito.
CANDIDATURAS FEMININAS NO CONTEXTO DA PANDEMIA
As mulheres possuem um forte histórico de marginalização política no Brasil, pois foi apenas em 1932, com a promulgação do Código eleitoral, que as mulheres puderam ter direitos políticos. Apesar disso, ainda hoje o Brasil enfrenta sérios problemas de representatividade feminina na política. A eleição de 2018, por exemplo, foi a primeira a tornar obrigatório que os partidos destinem ao menos 30% dos repasses de campanha a candidaturas femininas. Assim, o Brasil elegeu 77 deputadas federais, contra 51 em 2014, um aumento de 50%. No entanto, as mulheres representam, apenas, 15% das duas Casas Legislativas do Congresso Nacional.
Em relação as eleições deste ano, uma das mudanças é que os recursos públicos destinados a candidaturas femininas terão de ser proporcionais ao número de mulheres na disputa, conforme estabelecido em resoluções do TSE. Além disso, devido à pandemia, esse ano as campanhas serão feitas remotamente.
Diante de tudo isso, como a senhora analisa o impacto do novo calendário eleitoral nas candidaturas femininas?
Primeiro houve a determinação por legislação de candidatura atendendo um percentual de 30% a 70% no tocante à gênero, não falamos de “cotas femininas” e sim, “cotas de gênero”. Como você muito bem pontuou, no mínimo, o partido político tem que lançar 30% de candidatas mulheres, que podem representar esse percentual de 60% e 70%, não podendo ser superior a este número, porque tem que equilibrar com o gênero masculino. Então, olhem como é curioso, porque eu digo que a função legislativa é exercida fundamentalmente por homens, e são eles que fazem leis para as mulheres, portanto não tem o olhar e nem a perspectiva da mulher, porque são normas completamente androcêntricas, que impedem essa renovação.
Na reforma e ano de 2015, introduzida pela Lei 13.165/15, houve a inclusão no ordenamento jurídico do art. 9º, e esse artigo trouxe a previsão que o fundo partidário tinha que ser destinado para as candidaturas femininas, e a legislação era expressa em “candidaturas femininas”, num piso de 5% e no teto de 15%. Então, na melhor das hipóteses, ainda que o partido lançasse 30% de mulheres candidatas, apenas 15% do fundo partidário, que é um dinheiro público e tem que atender a todos os princípios da administração pública, na minha opinião, só poderia ser destinado, no máximo, pelo partido, de 15%. Vejam a desigualdade absurda, introduzida há apenas 05 (cinco anos) pelo nosso ordenamento jurídico, para nós vermos que Simone de Beauvoir sempre com muita razão; Nós temos que estar em alerta o tempo todo, especialmente nos momentos de crise de direitos políticos.
Pois muito bem. Essa norma, contida no art. 9º, introduzida pela lei 13.165/15, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, através da ADI nº 5617, e o STF, ao tempo que declarou a nulidade, atribuiu uma interpretação conforme a essa norma, definindo que o fundo partidário, como o financiamento público que é, deve ser destinado exatamente na proporção do registro de candidatos por gênero. Então, por exemplo, se um partido político lançar 50% de candidatos homens e 50% de candidatas mulheres, esse percentual de 50/50 do fundo partidário que tem que ser adotado.
Com a implantação do fundo especial de financiamento de campanha, mais uma verba pública que gira em torno de R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), e que esse ano vai ser aplicado pela primeira vez nas eleições municipais, o Tribunal Superior Eleitoral foi consultado, acerca de como o fundo especial de financiamento de campanha deveria ser destinado, considerando a decisão na ADI nº 5617 do Supremo Tribunal Federal. O TSE, nessa consulta, se posicionou no sentido de que também, o fundo especial de financiamento de campanha, tem que acompanhar o percentual de registro de candidatura, nos mesmos termos e moldes definidos pelo Supremo Tribunal Federal na referida ADI. Então, nós temos esse panorama.
Sobre a pergunta “Quais os impactos do novo calendário eleitoral nas candidaturas femininas?”, eu queria repensar essa pergunta, se vocês me permitem, e propor outra indagação: “Quais os impactos da pandemia na candidatura da mulher?” Porque, ontem mesmo em um congresso de São Luís, eu falei sobre isso.
A pandemia, ainda que muitos digam que “ela é igual” ou “que o vírus não escolhe quem vai alcançar”, considerando que todos estão no mesmo contexto, ainda que eu siga em isolamento, todos que estão na rua são passíveis de contaminação igualmente. Porém, os impactos provocados por essa contaminação e os impactos trazidos sob a perspectiva econômica e política são diferentes em razão do gênero. Ou seja, as mulheres estão sofrendo muito mais impactos, analisado sob a perspectiva do gênero, do que os homens. Não é a toa, que o percentual e índice de violência contra as mulheres aumentou absurdamente, e alguns dados eu preciso resgatar, além de estar fazendo essa pesquisa, as mulheres são as que mais estão sofrendo com o desemprego, pois como nós somos estruturalmente educadas para não ocupar os espaços de decisão e comando, e acabamos ocupando os espaços administrativos, que foram os mais impactados pela pandemia. E, também, em relação a sobrecarga, pois a mulher está ocupando uma série de funções, como “casa”, “filho”, “ensino EAD” e “trabalho” e até eu mesmo sofro com a falta de tempo. Então, estamos sobrecarregadas.
A pergunta é: “Nesse contexto todo, como que a mulher vai se candidatar efetivamente no processo?” Eu não estou falando de uma candidatura proforma, e sim de engajamento e de participação real. Vejam, eu não estou culpabilizando a mulher, mas sim responsabilizando o partido, responsabilizando coletivamente todos que compõe o núcleo político e partidário, do qual, essa mulher faz parte, porque é uma responsabilidade de todos.
O partido político, mais do que nunca, precisa investir na candidatura da mulher, e quando eu falo investir, não estou falando simplesmente em fazer a destinação do percentual do fundo partidário e do fundo de campanha, que foi definido tanto pelo Supremo Tribunal Federal, quanto pelo Tribunal Superior Eleitoral, na consulta. Eu estou falando no investimento em Educação Política e cursos de capacitação; Eu estou falando em acreditar e depositar confiança política nessa mulher, e especialmente que as coligações, nas candidaturas proporcionais, não vão ser adotadas, porque foram extintas do nosso ordenamento jurídico e passaram por um processo de alteração e processo de retirada do nosso sistema, então cada partido político, vai ter que, de fato, propor esse registro de candidaturas e destinar o fundo partidário e o fundo de campanha, sob pena de eventual cassação da chapa, diante de candidaturas fictícias.
É fundamental que repensemos e retornamos para a discussão da democracia intrapartidária, e não é a toa, que recentemente, numa consulta feita pela Senadora da Lídice da Mata, ao Tribunal Superior Eleitoral, se questionou sobre composição dos Órgãos partidários, e o entendimento do TSE que esses órgãos, que são os órgãos decisórios dos partidos políticos, têm que serem preenchidos observando esse percentual, também, de 30% e 70% de gênero. Porque, a cúpula partidária tem que tomar decisões a partir da perspectiva da mulher, considerando e as convenções estão chegando e podemos eventualmente acompanhar, que infelizmente muitas Convenções são na verdade uma apresentação de pré-candidatos já definidos por uma cúpula partidária, que são os representantes do partido. Não vem da base e não são os filiados que votar e vão dizer o que querem na base. Então, isso é muito complicado, pois nós temos de fato que repensar no nosso sistema todo, a partir de políticas afirmativas, ainda que as que existam, são insuficientes para garantir o nosso espaço e nós precisamos de políticas afirmativas, especialmente por que estamos diante de uma desigualdade estrutural e histórica e que nós precisamos rompê-la, exatamente, para que assim possamos garantir a democracia, a efetivação dos nosso valores que justificaram a constituição federal.
Está longe de ser um “mimimi de mulher” e isso deve ser mais uma luta de todos nós, porque estamos falando de desenvolvimento e não existe desenvolvimento com exclusão e nem com violação dos nossos direitos humanos e fundamentais e nós estamos diante da desigualdade material.
É muito importante falarmos em mulheres no plural, já que a diversidade é algo marcante entre nós. Essa diversidade está essencialmente baseada nas trajetórias históricas que vivenciam, a partir de elementos constitutivos dos papeis atribuídos pela sociedade. O novo calendário eleitoral, como já mencionado, limitou as campanhas às ferramentas remotas, isto é, como apontam dados do IBGE, boa parte da população, que é composta pelas minorias políticas e sociais, não terá acesso real às campanhas eleitorais, dificultando o conhecimento por parte dessas minorias, das campanhas políticas de mulheres que representem esses segmentos.
Assim, em que medida a senhora considera que a política de cotas para as candidaturas femininas é importante para a diminuição dos problemas enfrentados pelas mulheres pertencentes às minorias sociais, no que se refere a ocupação dos espaços políticos no Brasil?
E quais mecanismos a senhora considera fundamentais e urgentes para que a representatividade feminina na política seja mais diversificada e, de fato, representativa, sobretudo no contexto de campanha remota que a pandemia coloca?
Todas as minorias que são marcadas pela vulnerabilidade e pela opressão uma sociedade hierarquizada, que é tão caracterizada pela gravíssima desigualdade, como a nossa, devem se fazer presentes nos espaços decisórios. Ao se fazer presentes poderemos ter um dissenso de fato, com reflexões partindo de perspectivas diferentes partindo de contextos textos e subtextos distintos. É isso que faz a pluralidade em um sistema democrático.
Quando nós falamos em diversidade na política do nosso país, na prática, nós estamos apenas falando de mudança de pessoas que compõem os espaços de poder de um mesmo grupo. Isso é nefasto para a democracia porque na verdade se não corresponde aos valores democráticos, não corresponde a um debate que deve fluir e que deve culminar num denominador comum capaz de atender aos valores e interesses da maioria da sociedade.
Muito embora nós mulheres sejamos minoria política, minoria jurídica, nós somos maioria social, então percebam o descompasso entre o fato do ser e o dever ser.
Então é urgente que nós repensemos sobre isso. Como eu falei anteriormente, quando nós falamos na inclusão da mulher na política nós estamos falando acima de tudo de garantir a efetivação dos direitos fundamentais e humanos, efetivação da democracia e garantia do desenvolvimento, porque não podemos cogitar o desenvolvimento, que é um dos objetivos do nosso Estado democrático de direito, marcado pela exclusão de qualquer grupo, inclusive o grupo das mulheres.
Quando nós temos então as mulheres ocupando esses espaços de poder, nós vamos identificar o produto político como reflexo disso. Nós não queremos apenas quantidades nós queremos também a qualidade dessa representatividade, então nós queremos mulheres que pensem e que defendem a perspectiva de gênero. A partir do nosso olhar, das nossas necessidades que são socialmente, culturalmente, politicamente e economicamente diferente das dos homens. E é fundamental que a ciência jurídica como uma ciência social que é traduza isso, tanto em leis, como também as políticas públicas tradução isso.
Se não for assim nós vamos continuar nessa desigualdade absurda considerando que não existe um olhar do Estado sobre e para nós. E não existe um olhar, porque o Estado é concebido, e basta que a gente estude um pouco, por exemplo, as teorias contratualistas ou as teorias constitutivas do Estado, que nós vamos entender que o núcleo subjetivo do termo “povo” parte sempre da perspectiva de um homem. E do homem com poderio econômico, ou com algum título de nobreza, ou com alguma força na sociedade.
Então é interessante que a gente perceber e faça essa leitura de repensar o Estado, a partir de quem de fato o compõe por aí afora.
Em relação às políticas, eu acredito que as políticas afirmativas existentes são necessárias e nós precisamos de políticas afirmativas para acelerar o desnivelamento dessa desigualdade, ainda que eu entenda que ela já tem um tempo de existência e nós não vemos o resultado como o esperado, dessa representatividade feminina.
Então é preciso que a gente entenda o seguinte: as políticas afirmativas são necessárias a um curto prazo. E vejam, a gente já tá há algum tempo e elas não tem funcionado suficientemente bem, daí porque nós precisamos de repensá-las, e tudo com muito custo e com muita dificuldade, porque existe resistência de quem está no poder. E, além disso, não tem lugar para todo mundo, por exemplo, são 513 deputados e 81 senadores, então para nós entrarmos de fato e representar nosso quantitativo social, muitos homens vão precisar sair.
Então é preciso que nós reconhecemos as nossas políticas públicas, acredito que analisar o enfrentamento das políticas das costas nas cadeiras legislativas é necessário, acredito também que as políticas afirmativas e ações afirmativas elas são insuficientes porque, na minha opinião elas não devem ser adotadas como uma perspectiva de longo prazo, então é preciso que nós reestruturemos nossa sociedade também com educação política.
Não à toa, logo mais eu vou lançar um projeto focando em educação política para o ensino médio (e estou falando isso porque a gente tem se juntar, temos que sair dessa esfera só de crítica de debate, a gente tem que colocar a mão na massa e nós somos potenciais difusores desse objetivo).
Então as políticas afirmativas que existem elas são necessárias ponto mas elas são insuficientes então nós precisamos avançar porque nós estamos cada vez mais diante de muitos retrocessos, que culminam (quando nós falamos de gênero) na vida, que abalam a nossa vida. Nós estamos falando de retrocessos cujas estatísticas nos mostram que vão repercutir no aumento da violência contra nós, em feminicídio, femicídio.
Nós precisamos com urgência ocupar esses espaços.
Eu entendo que essa pandemia vai provocar muitas consequências nas eleições. Acho que o número de candidatos (Eu concordo até com Ministro Henrique Neves) vai diminuir e isso também vai impactar na eleição das mulheres.
Agora também tanto os eleitores como os candidatos vão precisar se Reinventar sabe eu acho que já passou do tempo em que especialmente numa eleição Municipal nós vamos votar “no beltrano e ciclano porque parente do meu pai, porque amiga da minha mãe, porque meu pai vai se dar bem, porque eu vou me dar bem” - já passou do tempo e isso aí é um pensamento da era da pedra.
Se nós votamos se depositamos nossa confiança política no cidadão/cidadã que de alguma forma se corrompe antes de ocupar os espaços de poder a gente não pode esperar outra coisa depois dessa ocupação de espaço porque só vai continuar.
Então se nós apostamos em pessoas que contaminam o processo eleitoral antes de ocuparem os espaços políticos, imagina depois com toda a máquina administrativa e com o dinheiro público na mão. Essa contaminação vai se dar em larga escala.
Então preciso que nós tenhamos consciência desse nosso papel potencial de influenciar e de mudar mesmo a nossa vida, a nossa realidade, a nossa política, e eu acredito demais nisso -aliás quando eu deixar de acreditar nisso é chegada a hora de eu largar a Academia.
perguntas do público
"Gostaria que a Dra. abordasse o que constitui essencialmente uma política voltada para mulheres, visto que a participação a na política, por mais importante que seja no sentido da representatividade, não necessariamente significa que essas mulheres que chegam aos cargos políticos irão pensar em uma política voltada para as mulheres, contemplando a luta por equidade/igualdade de gênero."
Sobre a primeira pergunta, eu inclusive comentei em algum momento anterior: nós não queremos apenas quantidade, nós queremos qualidade dessa representatividade. Então, claro, eu sempre digo, nem todas as mulheres vão levantar questões de gênero ou das mulheres, assim como nem todos os homens são preconceituosos, discriminam e marginalizam a participação e atuação das mulheres.
Assim, é preciso que todos tenhamos esse bom senso, porque nós não estamos numa luta contra os homens, não é isso. Pelo contrário lógico queremos os homens ao nosso lado em igualdade de condições. Mas como os nossos pontos de partida são muito diferentes, é preciso que nós repensemos as regras desse jogo, para que nós possamos minimizar os impactos históricos e culturais desses pontos de partida tão diversos, desiguais e opressores; utilizando a perspectiva da mulher.
Um ponto que eu chamo atenção (e acredito que isso vai inclusive completar um pouco do áudio anterior) é que quando eu digo “nós temos que nos repensar como eleitores e como candidatos”, quero dizer que, eu Juliana, quero saber quais são as propostas, especialmente pós-pandemia, que os candidatos a vereadores e a prefeitura vão lançar na minha cidade, por exemplo.
Isso deve acontecer em todas as localidades. Então, quando você escolhe depositar sua confiança numa mulher ou pretende depositar, deve-se perguntar qual o projeto que ela tem. Campanha política não é simplesmente distribuir santinho com número “Vote em mim, porque eu sou legal” ou “porque eu fiz alguma coisa há cinco anos”
Campanha política é, acima de tudo, projeto coletivo-social. Nesses projetos, nós vamos identificar quais das mulheres que estão se lançando tem um compromisso com as questões de gênero. Então, é fundamental que a própria comunidade faça cobrança em cima disso.
Eu quero saber o teu projeto, como que você pensa na sociedade a partir da perspectiva de gênero. Assim, já na resposta desse embate, a pré-candidato vai anunciar o que pensa. Algumas vão ter uma postura muito mais contra essas questões e a gente identifica isso. Tanto que na campanha passada à eleição geral, por exemplo, aconteceu de candidatas receberem destinação de fundo partidário referente às cotas e destinarem/repassarem para candidatos homens. Você tem mulheres que não tem compromisso nenhum com a questão de gênero, que levantam a bandeira, quando muito, eventualmente por conveniência. Então nós temos que ir além. Compete a nós eleitores esse controle e fiscalização de saber se existe algum compromisso, algum projeto que é desenvolvido pela candidata.
Há dois dias eu ministrei um módulo de um curso para várias mulheres candidatas do Sul e Sudeste do país, e foi muito interessante, porque nós discutimos muito isso de pensar a cidade a partir da perspectiva da mulher. Mas além de pensar estruturalmente/organicamente uma cidade, nós pensarmos nos vários pontos e aspectos relacionados a essa desigualdade que tanto nos assola. Como que nós podemos pensar em minimizar esses impactos da nefastos na nossa sociedade – e aí compete a candidata traduzir isso em projeto, em política pública né. E é importante que nós identifiquemos se essa candidata tem competência para fazer isso que está se propondo.
Nas eleições passadas, também nas eleições Gerais, tinha candidato a deputado, por exemplo que estava dizendo que ia fazer algo que não tinha competência constitucional para desenvolver aquilo que ele propagava na televisão e na rádio. Muitas vezes nem os candidatos conhecem minimamente a constituição para saber o que estão se propondo a fazer nesses espaços de poder.
"Qual a maior dificuldade enfrentada na sua área de atuação no direito, tendo em vista a sua condição como mulher?"
Todas nós mulheres todos os dias em alguma medida mais ou menos forte passamos por situações complicadíssimas porque somos mulheres. Profissionalmente e pessoalmente.
Sim, já sofri assédio ao longa da construção da minha vida profissional, porque sou mulher. E a gente percebe muitas vezes que existem discursos sabotadores da atuação da mulher, ações discriminatórias e preconceituosas e isso acontece nos vários espaços. Eu não falo isso e eu não quero dizer isso para desestimular as mulheres que ia virtualmente acompanhe a entrevista. Eu trago isso para mostrar que o que aconteceu com vocês ou que eventualmente pode vir acontecer, também acontece comigo e com as minhas colegas de trabalho.
Quer dizer também que nós estamos juntas. Nós temos que acreditar que juntas nós vamos superar isso, nós temos que nos unir. Para mim, na condição de conselheira Seccional da OAB, isso é uma luta pessoal e profissional. Lutar sempre diante de situações de mulheres advogadas que se veem constrangidas no exercício da sua profissão, porque são mulheres.
Na academia muitas vezes acontece isso também, de um aluno ou uma aluna dar mais valor ao professor porque é engravatado ou, simplesmente, porque é homem, do que a uma professora que se coloca no mesmo nível da classe, na condição de mulher e, como tal, traduz a sua realidade. Nós não medimos o conhecimento ou o mérito a partir de uma forma, então em várias perspectivas nós vamos nos encontrar nessa situação. Como eu falei: questões relacionadas assédio, questões relacionadas a exclusão, a marginalização estão presentes, mas nós somos maiores.
É claro que cansa. Às vezes dá um desestímulos, mas o ponto é nós entendermos que estamos juntas e que tem muitos homens que nos apoiam, que tem homens que compreendem esse processo e se posicionam criticamente diante desse dessa realidade. O que eu quero deixar é: acima de tudo não deixem de seguir o caminho de vocês, qualquer que seja esse caminho, porque surgem ou se impõe obstáculos pela condição de vocês serem mulheres. Jamais! Por mais difícil que se torne esse caminho, ergam a cabeça, tenham consciência dos passos de vocês e sigam em frente sempre.