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Se Liga na Pesquisa! - Com o Prof. Elísio Bastos.



o Se Liga na Pesquisa:


O quadro "Se liga na pesquisa" consiste em um trabalho de divulgação da pesquisa científica em Direito Constitucional, no qual será feita a apresentação do pesquisador, assim como um breve resumo da sua pesquisa. Pretendemos abordar alguns aspectos que são indispensáveis em uma pesquisa acadêmica, quais sejam: o tema, o problema de pesquisa e as conclusões finais ou parciais alcançadas pelo próprio pesquisador.

Além disso, buscamos fornecer aos nossos leitores as informações acerca dos métodos utilizados pelo pesquisador para realizá-la e nós expor os meios nos quais esse trabalho foi publicado, se em revistas científicas, se em apresentações em eventos ou mesmo se viraram monografias, dissertações ou teses.

Por fim, o pesquisador entrevistado indicará as principais referências bibliográficas fundamentais para a realização dessa pesquisa. Já em relação a uma segunda parte do quadro, ele busca saber a formação do professor como um pesquisador e dicas para futuros pesquisadores.



Sobre o primeiro entrevistado:

O professor Elísio é doutor em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e professor em Direitos Humanos em Teoria Geral da Constituição na graduação e em Teoria da Constituição e Jurisdição Constitucional no mestrado no Centro Universitário do Estado do Pará. O professor tem uma participação ativa em grupos de pesquisa, ele é coordenador do grupo de pesquisa Inteligência Artificial, Democracia e Direitos Fundamentais, é procurador do Estado do Pará e advogado.





ENTREVISTA NA ÍNTEGRA:

Beatriz Beckman: Boa tarde. Vimos que sua pesquisa atual aborda a temática da inteligência artificial, buscando relacioná-la com a democracia e direitos fundamentais. O senhor poderia falar brevemente de forma geral sobre essa pesquisa atual e qual é a forma da sua motivação para propô-la?

Professor Elísio Bastos: Bom, vamos lá. Bom, boa tarde para quem está me ouvindo neste momento. Bom dia, boa tarde ou boa noite para quem for me ouvir posteriormente. Agradeço, antes de mais nada, o convite e me sinto honrado em participar desse projeto de divulgação de pesquisa. Não estamos diante de qualquer projeto, vocês têm um orientador muito competente e certamente sabem caminhar esse caminho. Portanto, não estou diante de qualquer projeto, mas o fato é que qualquer projeto que divulgue pesquisa nesse país merece todo o respeito, merece toda atenção. Então eu me sinto honrado de usar esse canal construído por vocês. Antes de mais nada, só uma correção no currículo: vocês disseram que eu sou procurador do Estado, não, o que "eu sou" é "gente". O resto, eu "estou", eu "estou" procurador, eu "estou" pesquisador. Dito isto, vou falar um pouco da pesquisa inicialmente. Desde 2018, eu coordeno um grupo de pesquisa, como você já mencionaram, o grupo de pesquisa "Inteligência Artificial, Democracia e Direitos Fundamentais", que possui duas linhas de pesquisa e a gente está construindo uma terceira linha, que vai se referir aos direitos humanos das atividades laborais, o direito do trabalho nesse ambiente das novas tecnologias. Mas esta terceira linha ainda vai ser construída pelo professor que está conosco nesse momento, o professor Allan (Moreira), que compôs agora recentemente o grupo de pesquisa. Mas as linhas de pesquisas atuais são as novas tecnologias de informação e comunicação e redefinição do âmbito normativo de alguns direitos fundamentais e também uma segunda linha de pesquisa sobre democracia e as novas tecnologias de informação e comunicação. Como eu disse a vocês, esse grupo foi criado em 2018, é devidamente registrado e compõe a Plataforma Lattes do grupo de pesquisa. Nós temos como objetivo estudar as novas tecnologias de informação e comunicação, e não só estudar essas novas tecnologias de informação e comunicação, mas estudá-las e identificar a influência que elas têm no âmbito normativo de alguns Direitos Fundamentais, como por exemplo, a privacidade. É evidente que há um tempo atrás, a gente queria privacidade. E não muitos anos atrás, a gente ia para nossa casa e a casa era o castelo; na época, a nossa casa era o nosso abrigo inviolável. Hoje já não é mais. Hoje, dentro de casa, nós estamos em praça pública. Ou porque nos colocamos assim por vontade própria ou porque nos desnudamos por vontade própria ou porque nos desnudamos inadvertidamente, sem a consciência de que estamos nos desnudando. Então, a privacidade e a intimidade, evidentemente, são alguns dos direitos fundamentais que sofrem uma influência muito grande das novas tecnologias, como sofre também a igualdade. Percebam que há estudos importantes que demonstram o quanto as estruturas de gênero e de raça estão reproduzidas, e como as estruturas desiguais, de gênero e raça são reproduzidas pelos algoritmos. E não poderia ser diferente, porque os algoritmos reproduzem o ambiente que está à sua volta. Um algoritmo feito por homens brancos e feito sobre um passado que privilegiou um homem branco vai reproduzir evidentemente esse ambiente. Então, vamos ter diversos problemas vinculados a isso, desde testes de vacina que funcionam menos em mulheres, até empréstimos bancários que são fornecidos em menor número para negros e diversas outras situações. Até têm algoritmos usados para definição de quais pacientes em hospitais serão atendidos primeiramente e já há a demonstração de que esses algoritmos dão maior preferência por um homem branco saudável, do que por um homem negro com problemas graves de saúde. Então a gente também estuda esse aspecto porque a igualdade de gênero, de sexo, de raça, sofre também o efeito em relação às novas tecnologias, como sofre também o exercício de direitos políticos. Vocês percebem que, hoje em dia, o nosso Presidente da República foi eleito mesmo tendo na ocasião o décimo tempo de campanha. Então esse esvaziamento do direito de antena, que é aquele direito ofertado aos candidatos com tempo de exposição pública, hoje, é irrelevante, porque hoje tem o acesso às redes sociais que divulgam, aliás a grande maioria dos políticos governam pelas redes sociais. Hoje nós temos um presidente “Youtuber”. Nós temos parlamentares “youtubers”. Então isso não é bom e nem ruim, mas sim uma característica que revela, a nosso sentir pelo menos, que é necessário investigar esses reflexos que as novas tecnologias estão causando. Veja, a nossa observação constata que nós temos uma tendência muito forte em sermos cronocêntricos. Então tudo no nosso tempo, tudo no tempo em que vivemos é mais importante. Então nós temos tendência em dizer "nunca antes na história desse país", "nunca antes na história da humanidade" e nos colocar, colocar o tempo que vivemos como algo marcante e como o tempo onde está acontecendo alguma mudança relevante. Essa é uma tendência que talvez nós tenhamos. Mas essas constatações da importância das novas tecnologias ultrapassam esse vício. Porque de fato nós estamos vivenciando um outro aspecto, as mudanças contundentes relevantes para alguns direitos fundamentais. - Para vocês terem uma ideia, o Yuval Harari fala de um direito à informação que não é a liberdade de informação que nós temos hoje, que é destinada à proteção do humano. A liberdade de informação que o Yuval Harari está mencionando, que iniciou recentemente, é a liberdade para proteger a informação e o direito que a informação tem de circular, o quanto é importante para a humanidade a informação circular. Então, com base nisso, o grupo de pesquisa estudou no ano de 2018 os reflexos na democracia e no ano de 2019, escrevemos. Foi um ano sabático onde nós nos recolhemos para escrever. E agora voltamos, os encontros voltaram para falar acerca da igualdade, da privacidade e outros aspectos importantes. O grupo atua em uma parceria muito importante com a Liga Acadêmica de Direito do Estado (LADE). Hoje em dia, há diversas Ligas Acadêmicas e todas elas exercem um papel relevante na divulgação da pesquisa e na promoção da pesquisa. Caminhamos juntos, portanto, o grupo de pesquisa e a LADE, nesse objetivo. Enfim, no ano de 2019, acerca da produção do grupo, nós tivemos 11 artigos publicados, o grupo de pesquisa conseguiu publicar 11 artigos, que se mesclaram entre artigos em revistas e de qualificação Qualis CAPES de B1 para cima e também diversos capítulos de livros publicados.

Beatriz Beckman: Seria interessante para os nossos leitores, compostos por acadêmicos e acadêmicas, saber mais quais foram os métodos de pesquisas empregados no seu projeto. O senhor poderia compartilhar?

Professor Elísio Bastos: Claro, não é segredo, e se fosse também eu compartilharia. Eu acho assim: eu parto do pressuposto de que o orientador, o líder do grupo de pesquisa, tem diversas funções. Mas uma delas me parece muito relevante, que é ser um curador. Ser aquela pessoa que vai apresentar aos alunos, aos seus orientandos, os componentes do grupo de pesquisa, uma visão específica sobre determinado assunto, um problema que possa ser debatido, que possa ser investigado. E aí vem a função de curador. Então o nosso grupo de pesquisa tem por metodologia fundamental essa curadoria, essa identificação de textos relevantes, de temas e textos relevantes, a leitura desses textos e a apresentação para algumas referências de leitura importantes. E desses textos e posterior discussão desses textos nos nossos encontros. Então funciona mais ou menos assim: em seis meses nós fazemos encontros de conteúdo; nos seis meses seguintes são encontros de orientação preparatória para elaboração de trabalhos acadêmicos; e nos outros seis meses é o envio e a remessa desses textos para diversas fontes de publicação, revistas, livros, enfim, congressos. Porque a gente precisa ter um momento de reflexão. Não é só a divulgação do conteúdo. O que as pessoas chamam de aquele momento Eureka, quando você descobre o problema ou descobre a solução para o problema, ele não se dá em sala de aula. Aliás, sala de aula é uma coisa que já não existe há pelo menos um ano, não é? Ele não se dá enquanto no convívio da sala de aula ou do home office/homeschooling. Mas ele se dá através de uma reflexão posterior sobre o que foi visto em sala de aula, virtual ou presencial. Então é fundamental esse período de conteúdo, seguido de um período de orientação customizado para os alunos vinculados, com o objetivo de uma publicação, e publicação não só no trabalho escrito, mas de socialização mesmo, em congressos e eventos que o grupo possa realizar ou que possa participar e depois a remessa propriamente desses trabalhos feitos. Uma vez tendo sido exitosa a orientação, o trabalho é feito e a gente segue remetendo para as fontes de publicação. É mais ou menos assim que a gente caminha ou tem caminhado pelo menos ultimamente.

Beatriz Beckman: E quais foram as principais, ou qual foi a principal referência bibliográfica usada no projeto.

Professor Elísio Bastos: Foram várias, não teve uma principal, dependendo muito da temática. Por exemplo, hoje a temática sobre raça, gênero, inteligência artificial e igualdade de gênero e de raça tem um artigo de referência, que é o da Timnit Gebru, que é chamado Race and Gender. Ela trata de diversas questões postas sobre esses algoritmos que condicionam, que perpetuam essas desigualdades. E curiosamente tem aqui também um recente documentário lançado pela Netflix chamado “Code Bias”, acho que é da Shalini Kantayya, que aborda também essa questão de uma forma bem didática. Ele não serve para embasar uma pesquisa, mas, certamente, para inspirar uma pesquisa. Uma outra obra referência nesse assunto, que eu acho que é fundamental, é a obra do Professor Frank Pasquale, que é The Black Box Society. O professor Pasquale escreveu essa obra em 2015, mas é uma obra ainda de referência, porque ela demonstra que o algoritmo, ao mesmo tempo que traz uma transparência, eu mencionei no início da minha fala o quanto a nossa privacidade foi devastada. Ele traz transparência, mas ele também traz opacidade, porque os próprios algoritmos são opacos, você não consegue às vezes identificar os critérios sob os quais os algoritmos decidem, isso é grave porque algumas pessoas não questionam as decisões dos algoritmos, pois são decisões de um computador, em rigor, seriam decisões objetivas, aí o professor Frank Pasquale, nessa obra, traz argumentos muito importantes. Sobre a privacidade, três textos são importantes, e eu vou concluir aqui a minha indicação bibliográfica. O professor Danilo Doneda, que é um professor aqui nosso, brasileiro, tem uma obra chamada "Da privacidade à proteção de dados pessoais", que é referência ao estudo do tema. Eu também indico o livro muito importante do professor Stefano Rodotà, que é traduzido para o português, chama-se "A vida na sociedade da vigilância: a privacidade hoje". A obra do professor Doneda salienta o aspecto subjetivo da privacidade. A obra do professor Stefano Rodotà salienta a importância da privacidade para o coletivo e para a sociedade. E a terceira obra que eu indico é a obra do professor Firmin DeBrabander, que fala sobre a vida após a privacidade, (Life after Privacy: Reclaiming Democracy in a Surveillance Society). Ele dialoga com a desimportância da privacidade, diz ele que a privacidade sempre foi desimportante para a democracia. Então são aspectos, são obras que acho que dá para fixar muito bem os parâmetros dessas novas compreensões. Aí dependendo, se você quiser pesquisar a democracia, tem outras obras importantes, liberdade de expressão também tem outras obras importantes e por aí vai.

Beatriz Beckman: Já foi possível ter alguma conclusão parcial ou final? E quais foram os resultados até agora? Não precisa ser extenso, mas de uma maneira bem resumida.

Professor Elísio Bastos: Os resultados ainda estão sendo construídos. Nós estamos falando de um fenômeno que está acontecendo enquanto nós estamos falando nesse momento. Mas, em relação por exemplo à eficácia e aos efeitos das novas tecnologias de informação e comunicação sobre a democracia, já faz parte e a gente pode afirmar como uma conclusão que esses mecanismos, essas novas tecnologias, a internet, as redes sociais, elas primeiramente foram vistas como algo esperançoso. As novas tecnologias foram saudadas nesse ambiente democrático como algo a exercer um papel muito positivo, a trazer de volta a Ágora dos gregos e a trazer de volta a possibilidade de todos nós debatermos e mais as novas tecnologias, especialmente as redes sociais, trazem a possibilidade de uma comunicação direta, a chamada comunicação de muitos para muitos. Eu, Elísio posso me comunicar com toda a humanidade, sucede que esse pensamento tecno-otimista foi substituído por um tecno-pessimista, dizendo que essas novas tecnologias, ao invés de salvar a democracia, iriam capturá-la mais ainda, sobretudo porque são poucos os que dominam essas tecnologias. São poucos os que dominam a tecnologia e os que têm condição de criar essa tecnologia, mas acho que dá para ficar em um caminho intermediário, não ser nem um tecno-otimista e nem um tecno-pessimista, mas perceber que as novas tecnologias, como ferramentas que são, elas podem ser utilizadas tanto a favor quanto contra alguma coisa, alguma ideia ou alguém. Portanto, é fundamental que estudemos, fundamental um controle rigoroso do Estado, é fundamental um controle rigoroso de nossa parte também e nesse aspecto a educação para a tecnologia nunca foi tão importante. Você ter espaço, você aprender o quanto a tua vontade pode estar condicionada por essas novas tecnologias é algo importante também. A questão das novas tecnologias não pode ser deixada a critério do mercado, não é possível a existência correta, adequada sem uma regulação, sem uma regulamentação adequada, sem uma educação importante nesse cenário.

Alinne Libdy: Professor, boa tarde! Então, começando essa segunda parte da entrevista, quanto à sua formação e sua trajetória acadêmica, quais momentos foram fundamentais para definição da sua vocação como professor e pesquisador? E quem são as pessoas que o senhor reputa importantes nesse caminho?

Professor Elísio Bastos: Poxa, que pergunta difícil! Parece aquela pergunta: disserte sobre a importância da vida! Eu não estou preparado para isso não! (risos). Assim, a vocação de Direito ela não apareceu antes da faculdade ou durante a faculdade. Comigo, aconteceu algo curioso, enfim, por diversos aspectos. Fazer o curso superior para mim foi uma loteria, eu não sabia e acho que acontece isso com a maioria das pessoas, a gente faz o ensino superior como uma espécie de loteria, porque não sabe se é isso que a gente quer de fato. Mas eu senti claramente que a loteria tinha dado certo, que eu tinha acertado os números quando eu tive um resultado de uma ação judicial, enquanto advogado, e essa ação produziu um resultado para algumas pessoas, um resultado social importante. E aí eu me vi tendo que estacionar o carro porque eu não aguentava de tanto chorar pela felicidade de ter conseguido a decisão. Aí eu disse "ta aí olha, acho que deu certo, acho que eu acertei os seis números". É claro que tem também um aspecto econômico, né? A gente pode medir o êxito do profissional pelo carro que ele tem na garagem ou pela casa que ele comprou, enfim, é uma forma de medida. Não é a forma que eu acredito, que para mim se deve buscar, o resultado econômico deve vir como consequência de um trabalho. É claro, a gente tem direito a ter uma vida boa, serena, tranquila financeiramente e a gente tem direito que o nosso trabalho lícito, o nosso trabalho legítimo, o nosso trabalho correto possa trazer essas condições econômicas, mas não é o que me move, nunca foi o que o me moveu como primeira instância e nem como segunda. As pessoas que me inspiraram são as pessoas que atravessaram meu caminho e cujo caminho tive o prazer de atravessar, são pessoas que não estão vinculadas ao direito, como meus pais, pelo esforço que eles tiveram e pelas pessoas de caráter que foram, no caso do meu pai já falecido e que é o caso da minha mãe, duplamente vacinada, graças a Deus! Eu tive professores que me marcaram e a pessoa que mais me marcou na atividade profissional foi o meu (risos), “coisa fofa”, foi o professor Pedro Bentes Pinheiro Filho, Pedrinho é um ser humano incrível, um professor magistral. Eu consegui estagiar com ele por um tempo, além de aluno, fui duplamente aluno, aluno em sala de aula e aluno no escritório, e muito do que eu me vejo fazendo hoje, imitando ou me inspirando no Pedrinho. Um outro professor, o professor Aluizio Meira, com quem estagiei, que foi um grande professor. E os maus professores também, os maus professores também inspiram, eles inspiram a não seguir os exemplos nos aspectos em que nós consideramos eles maus professores, pelo que o mau professor nunca é 100% mau professor, eles sempre nos ensinam. Eu me lembro que eu fiz graduação na Universidade Federal do Pará, e me lembro que estava na porta, esperando para começar a minha aula e na sala do lado tinha um professor terminando a aula dele e o professor dizia assim, no final da aula dele: "Olha, ano passado fizeram uma avaliação aqui na federal e eu fui um dos piores avaliados como professor. Acreditem. vocês que me acusaram e disseram que eu sequer entregava o plano de aula aos alunos". Aí nisso ele abre a pasta dele e puxa um bocado de papel e diz "Olha, pois esse ano ninguém vai dizer que não entrego o plano de aula, tá aqui o plano de aula", e entregou. Eu fiquei com pena de como seria esse semestre desses colegas que estavam lá. Mas ele me inspirou a entregar o plano de aula, eu entrego sempre o plano de aulas aos alunos, e me inspira porque a gente não sabe o poder que nós temos, nós professores pesquisadores, não sabemos o poder que nós temos e nós podemos incentivar, mas nós podemos castrar o melhor, podemos incentivar o melhor e o pior nos alunos, mas pudemos castrar, limitar ou restringir o que há de pior e melhor nos alunos. Olha, nós temos uma responsabilidade muito grande, é um ato de muita responsabilidade ser professor, porque a gente pode matar os sonhos das pessoas, dos alunos, ou a gente pode avivá-los. Ou até mais, a gente pode criar sonhos nos nossos alunos, enfim, é uma atividade que eu me vejo exercendo de maneira muito muito preocupada por esse aspecto. Então são esses professores que mencionei e outros que certamente eu não mencionei, eu não posso deixar de mencionar, eu tenho uma inspiração do meu lado, que é o professor Jean Carlos Dias, que é meu sócio no Escritório, nós estudamos juntos na Universidade Federal do Pará e estamos caminhando juntos né, enfim. Há diversos professores que atualmente exercem a academia de uma maneira muito apaixonante e eu me sensibilizo toda vez os vejo na docência, eu não posso deixar de esquecer evidentemente outra inspiração, falecido recentemente, que é o professor Zeno Veloso, enfim, da parte de direito constitucional, eu não fui aluno de sala de aula dele, mas fui aluno dos livros e faço questão de fazer essa menção. É isso queridos.

Alinne Libdy: Professor, quais características o senhor considera muito importantes em um pesquisador?

Professor Elísio: A curiosidade. A curiosidade é fundamental, a inquietude também é fundamental, a paciência, os bons contatos e a cultura, porque você não consegue fazer uma uma boa pesquisa, presumo, sem exercer a arte de relacionar os assuntos. Então você precisa ter uma cultura razoável para que possa perceber as conexões, enfim. O compromisso, o estudo, a ética, você fazer a pesquisa de uma forma eticamente compromissada com o bem estar social sobretudo. Claro, que tem a questão individual, mas que a pesquisa se reverta de alguma forma com o bem estar do coletivo, da sociedade, enfim, são aspectos importantes. E descobrir esse curador, descobrir pessoas que possam ser bons curadores para você, as pessoas que possam apresentar textos importantes, ideias importantes, enfim, é porque a gente não inventa nada. A pesquisa, na verdade, é uma interminável corrida de obstáculos. Mas não é desse tipo de corrida que eu falo, é aquela corrida de revezamento onde um passa para o outro o bastão, então as pessoas que vieram antes de mim passaram o bastão e eu vou passar o bastão pra quem vier depois. É essa a minha ideia de pesquisa e o que é algo importante para a pesquisa. E se você puder receber por isso também não é ruim não (risos).

Alinne: Por último, Professor! Se o senhor pudesse dar algum conselho ou alguma dica para alguém que está entrando agora nesse caminho da pesquisa, qual seria?

Professor Elísio: Algo também importante, uma fala importante. Antes eu ia ter que pensar o conselho, mas acho que é um conselho que a gente deve imitar para a vida: que é estar do lado de pessoas boas. Estar do lado de pessoas que nos acrescentem, que respeitem a nossa individualidade, respeitem os nossos limites e trabalhando para expandir os limites. Que você, iniciando a pesquisa, possa estar do lado de um bom pesquisador, que possa estar do lado de uma pessoa que você olhe para ela e diga "Eu quero ser assim, eu quero ser, no futuro”, eu quero ser não exatamente como essa pessoa, mas essa pessoa me inspira, há nela atributos que eu quero desenvolver em mim. Acho que esse é o primeiro passo para quem está começando, é você não só buscar temas de pesquisa, mas buscar pessoas pesquisadoras que possam te inspirar. E não perca muito tempo ao lado de pessoas que não desenvolvam, não só uma pesquisa importante na tua visão, mas que não desenvolvam o melhor em você também, né, enfim, tem essa preocupação não só de achar temas de pesquisas, mas de achar pessoas. Porque ninguém pesquisa sozinho, é importante você esteja do lado de pessoas que te inspirem e que possam te auxiliar na caminhada e que você possa auxiliá-las de volta, para que a pesquisa seja um ambiente salutar, onde se desenvolva esses atributos todos da irmandade, da compreensão, da ética, do amor à pesquisa e da responsabilidade com a pesquisa. Isso tudo flui melhor em boa companhia, como tudo na vida, presumo, como está fluindo essa entrevista, já que estou em boa companhia, da Alinne, da Gabriela e da Beatriz.

Gabriela: Bom, professor, como a Alinne disse, essa foi a última pergunta. Gostaria de agradecer novamente a sua participação, a sua disponibilidade, seu interesse, sua simpatia durante a entrevista, o senhor é uma pessoa muito simpática! A entrevista foi ótima e com certeza será de grande interesse para aqueles que queiram se aprofundar no tema da sua pesquisa. Acredito que também será de grande ajuda para aqueles que queiram saber a trajetória percorrida para a realização da pesquisa e também seus conselhos valiosos para aqueles que queiram se aventurar nesse caminho tão bonito e tão gratificante que é a pesquisa acadêmica. Com isso, antes de encerrar gostaria de passar a palavra para o senhor, caso o senhor queira dar alguma palavra final.

Professor Elísio: Quero sim. Quero agradecer o convite mais uma vez. Quero registrar que esses conselhos dizem que a experiência é um farol voltado para o passado. E esses conselhos deram certo comigo. Não sei se vai dar certo com vocês. Cada um tem que achar o seu caminho e verificar o que é bom para si, o que vai funcionar para você, para a sua realidade. Enfim, isso tudo é importante, essa autocompreensão de você e da sua trajetória. Quero dizer que fico à disposição de quem desejar estender o papo. Não tenho rede social, propositalmente, pois é o que diz o Rubem Alves, que a vida é a arte da escolha do essencial. A gente tem que escolher o essencial, o nosso dia só tem 24 horas e a gente tem que escolher melhor onde é que a gente vai investir o nosso tempo. Onde a gente está investindo, o tempo que eu tô investindo em uma atividade é o mesmo tempo que eu não estou investindo em todas as outras atividades. Mas enfim, me procurem pelo Cesupa, já autorizo as meninas a divulgarem meus contatos e eu fico à disposição para que a gente continue essa conversa no outro momento, e se desejarem, fazerem posteriormente. Um abraço, cuidem-se bem e saúde! E a gente vai caminhando enquanto caminharmos.


INDICAÇÕES DO PROFESSOR ELÍSIO:


1 - Race and gander - artigo publicado na Revista Tibet Gabriel.

2 - Coded Bias - documentário Netflix de Shalini Kentayya. Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/81328723


3 - The Black Box Society - livro escrito por Frank Pasquale.

"Every day, corporations are connecting the dots about our personal behavior--silently scrutinizing clues left behind by our work habits and Internet use. The data compiled and portraits created are incredibly detailed, to the point of being invasive. But who connects the dots about what firms are doing with this information? The Black Box Society argues that we all need to be able to do so--and to set limits on how big data affects our lives.

Hidden algorithms can make (or ruin) reputations, decide the destiny of entrepreneurs, or even devastate an entire economy. Shrouded in secrecy and complexity, decisions at major Silicon Valley and Wall Street firms were long assumed to be neutral and technical. But leaks, whistleblowers, and legal disputes have shed new light on automated judgment. Self-serving and reckless behavior is surprisingly common, and easy to hide in code protected by legal and real secrecy. Even after billions of dollars of fines have been levied, underfunded regulators may have only scratched the surface of this troubling behavior.

Frank Pasquale exposes how powerful interests abuse secrecy for profit and explains ways to rein them in. Demanding transparency is only the first step. An intelligible society would assure that key decisions of its most important firms are fair, nondiscriminatory, and open to criticism. Silicon Valley and Wall Street need to accept as much accountability as they impose on others." (Texto de descrição do livro disponível em Amazon.com)


4 - Da privacidade à proteção de dados pessoais - livro escrito por Danilo Doneda.

"A proteção de dados pessoais é uma matéria de acentuado desenvolvimento nos últimos anos, o que reflete a importância capital da informação pessoal como elemento presente em uma série de relações sociais e modelos de negócio. A transparência na sua utilização, a criação e implementação de ferramentas que permitam ao cidadão exercer um controle efetivo, poder monitorar de forma completa o uso de seus dados e ainda proporcione instrumentos que impeçam a sua utilização abusiva tornaram-se pauta prioritária." (Texto de descrição do livro disponível em Amazon.com)



5 - A vida na sociedade de vigilância: a privacidade hoje - livro escrito por Stefano Rodotà.

"Esta obra apresenta uma série de problemas concretos, muitos deles ainda desconhecidos do grande público, a convocar a atenção de todos para a sua resolução. Mais do que isso, traz à luz a extrema lucidez de Rodotà na busca de soluções factíveis para os conflitos criados pelas novas tecnologias, soluções que sejam, ao mesmo tempo, respeitadoras da dignidade da pessoa humana e da democracia." (Texto de descrição do livro disponível em Amazon)


6 - Life After Privacy: Reclaiming Democracy in a Surveillance Society (Vida após a privacidade: reivindicando a democracia em uma sociedade vigiada) - livro escrito por Firmin DeBrabander.

"Privacy is gravely endangered in the digital age, and we, the digital citizens, are its principal threat, willingly surrendering it to avail ourselves of new technology, and granting the government and corporations immense power over us. In this highly original work, Firmin DeBrabander begins with this premise and asks how we can ensure and protect our freedom in the absence of privacy. Can--and should--we rally anew to support this institution? Is privacy so important to political liberty after all? DeBrabander makes the case that privacy is a poor foundation for democracy, that it is a relatively new value that has been rarely enjoyed throughout history--but constantly persecuted--and politically and philosophically suspect. The vitality of the public realm, he argues, is far more significant to the health of our democracy, but is equally endangered--and often overlooked--in the digital age." (Texto de descrição do livro disponível em Amazon.com)




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