Tempos excepcionais demandam medidas excepcionais, mas elas justificam o afastamento de regras constitucionais? Qual a sua opinião?
Medidas provisórias (MP) são atos normativos dotados de força de lei, editados pelo Presidente da República e submetidos à apreciação do Congresso Nacional (art. 62, da CRFB/88). Apesar de tratar-se de ato do Executivo, existem alguns pressupostos constitucionais de cunho formal e material a serem observados para a sua validade.
Em primeiro lugar, a edição de uma medida provisória deve compreender um contexto de relevância e urgência. Por serem conceitos jurídicos indeterminados, sua aferição é possível somente a partir da análise de um caso concreto. Os pressupostos materiais, por sua vez, têm relação com o conteúdo das medidas provisórias. Existem determinadas matérias que não podem ser objeto de MP. O art. 62, §1º, I, II, III e IV, da CRFB/88 explicita tais temas, entre eles: nacionalidade, cidadania, direitos políticos, direito penal, processual penal, processual civil, organização do Poder Judiciário e Ministério Público, matérias reservadas a Lei Complementar etc.
Observados tais pressupostos, as medidas provisórias produzem efeitos imediatos a partir de sua publicação. Todavia, sua eficácia é limitada no tempo: 60 dias, prorrogável uma vez por igual período. Se expirado este período sem apreciação da medida, opera-se a rejeição tácita da MP, devendo ser editado decreto legislativo pelo Congresso Nacional, a fim de disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes (art. 62, §3º). A Constituição Federal prevê apenas uma possibilidade de suspensão desse prazo: durante os períodos de recesso do Congresso Nacional (art. 62, §4º).
No que se refere à tramitação, as medidas provisórias devem ser submetidas primeiramente a uma comissão mista (composta senadores e deputados) e deliberada em cada uma das casas. A função central desempenhada por esses parlamentares é de análise dos pressupostos constitucionais, do mérito e da questão orçamentária, com a emissão de parecer ao final. Por fim, se aprovada na íntegra nas casas, a medida provisória é promulgada e convertida em lei ordinária. De outro modo, se aprovado o projeto de lei de conversão, este será enviado para sanção ou veto presidencial. Já em caso de rejeição da MP, expressa ou tacitamente, poderá ser editado decreto legislativo para regulação das relações jurídicas constituídas ou decorrentes da MP. Todavia, a ausência de edição do mesmo, no prazo de 60 dias após a rejeição, conserva os atos e relações jurídicas regidos pela medida provisória (art. 62, §11, CRFB/88).
A pandemia de Covid-19 e suas implicações no funcionamento do Congresso Nacional levaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) discussão em torno da possibilidade da extensão deste prazo de suspensão – o que ocorreu por meio da ADPF 663, proposta pelo Presidente Jair Bolsonaro. O Ministro Alexandre de Moraes rejeitou o pedido de ampliação do referido, com fundamento na teoria dos freios e contrapesos.
De acordo com o Ministro, o controle legislativo sobre as medidas provisórias é de extrema relevância para o equilíbrio entre os poderes da república, motivo pela qual a possibilidade de suspensão, prevista constitucionalmente, somente se refere aos períodos de recesso do Congresso Nacional e sequer se estende em hipóteses constitucionais de Estado de Defesa e Estado de Sítio. Como as alterações na atividade parlamentar decorrem da pandemia de Covid-19 e as casas legislativas continuam funcionando por outros meios, o Ministro entendeu pela impossibilidade de extensão de tal prazo decadencial.
No entanto, em consequência das mudanças de funcionamento nas casas legislativas, geradas pela pandemia de Covid-19, o Ministro Alexandre de Moraes, também autorizou, com base na eficiência, a relativização do trâmite das medidas provisórias junto ao Congresso Nacional, dispensando a emissão de parecer pela comissão mista. Em substituição, as medidas provisórias poderão ser instruídas perante o Plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal por relatores designados em cada uma das casas.
Questionamentos:
A decisão de Moraes levanta algumas questões. Se o Governo não pode requerer a suspensão do prazo de vigência das MPs em período de pandemia porque o Congresso ainda funciona, mesmo que remotamente, porquanto isso seria uma violação à separação de poderes e diante da necessidade de controle do ato pelo Legislativo, o mesmo poderia ser afirmado sobre a dispensa do rito constitucional quanto à análise das MPs. Muito embora o rito constitucional que exige comissão mista não envolva outro poder, situação que a diferenciaria do pedido governamental, isso não significa que a Constituição autorize a dispensa em situações de calamidade pública. A dispensa seria justificada no caso de Estado de Defesa? Se a resposta for positiva, ou seja, que a interpretação das regras constitucionais depende de contingências emergenciais, qual seria o parâmetro de revisão do ato Congressual? No caso, o ministro referiu-se à razoabilidade e eficiência para acolher os pedidos do Congresso, mas eles representam critérios extraconstitucionais.
O governo tinha razão em seu pedido? O ministro pode excepcionar regras constitucionais em situações contingenciais? Se sim, qual o parâmetro?
Comentarios