Alice Costa Dias
Introdução
As divisões ideológicas na teoria política influenciam e determinam a organização da legislatura brasileira. Nesse sentido, para um melhor entendimento sobre a forma de atuação do nosso Poder Legislativo, cumpre destacar que o Congresso Nacional é composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, constituindo, assim, uma extensão do poder legislativo do país. Além disso, é formalmente composto por políticos que se identificam, ideologicamente, com a esquerda, centro e direita, a exemplo dos partidos: PT, PMDB e PL, respectivamente.
Nesse contexto, apesar de sua configuração elitista se manter inalterada, porquanto inúmeros grupos sociais, tais como os negros, indígenas, mulheres e quilombolas, estarem subrepresentados, o viés ideológico dos eleitos em cada eleição influencia diretamente nas pautas que são propostas ao longo de seus mandatos. Constata-se, contudo, que desde a redemocratização, nas mais recentes eleições, o conservadorismo alinhado à direita ideológica, já forte desde a constituinte, tem ganhado destaque nas decisões e pautas legislativas.
É importante destacar que há uma diferença entre o conservadorismo clássico do século XVIII e o conservadorismo de direita atual, e este último pode divergir tanto no contexto geográfico, social, político ou econômico de um país para outro. Para Escorsim Netto (2011), esse conservadorismo surgiu como uma resposta às ideias revolucionárias, com o repúdio à mobilização das massas e um medo pelo surgimento de novas instituições que pudessem prejudicar as instituições sociais tradicionais. Assim, a insegurança de trocar algo que já era certo por algo que não tem resultados concretos é justamente o que embasa toda a força dos indivíduos que são conservadores clássicos. Mas para Flach e Silva (2019, p. 71), o ideário conservador é muito mais que querer conservar os aspectos mencionados, e sim “um sistema de ideias que associa o ordenamento social com a valorização do sagrado, prestígio de instituições sociais já consolidadas, enaltecimento de posturas vanguardistas que privilegiam modelos hierárquicos na estrutura social”.
Dessa maneira, há uma relação entre o processo político de um país e o processo social e essa correlação se dá em razão da construção sócio-histórica. No caso brasileiro, essa perspectiva conservadora de direita assume características e raízes autoritárias, principalmente por conta de períodos como o do Estado Novo (1937-1945) e da ditadura militar (1964-1985), os quais contribuíram para fragilizar a democracia de corte constitucional e liberal (Silva, 2016, p. 4). Herdamos, portanto, vestígios dessas épocas em nosso tecido político-social que ainda hoje regem e governam o país. Logo, torna-se primordial entender como surgiu o conservadorismo no poder legislativo brasileiro, o que o congresso nacional é na contemporaneidade e mais do que isso, quais as pautas atuais influenciadas por meio desse aspecto conservador.
Contextualmente, o conservadorismo abrange os valores e crenças de um grupo e não estão, estritamente, ligados a um tipo de ideologia. No entanto, esse pensamento ajuda a fortalecer as tendências criadas pela direita e extrema-direita em suas formas de conduzir o Estado e nas suas respectivas políticas públicas (Souza, 2016, p. 207). Para tanto, isso ocorre porque a direita tem como ideal preservar a ordem, a justiça, a família considerada tradicional e a religião, aspectos favorecidos justamente pelo processo conservador que ajuda na manutenção de um contexto político. No Brasil, exemplos de partidos que compartilham atualmente dessa posição de direita conservadora são o Partido Liberal (PL) e o União Brasil.
Nesse sentido, durante toda a história parlamentar brasileira, foi no Segundo Império em que houve a divisão entre conservadores e liberais, mas a força política conservadora conhecida atualmente começou a tomar forma durante o período de 1946 na Assembleia Constituinte com o predomínio dos conservadores ligados ao meio rural (Righetto, 2007, p. 64). Na Primeira República, a política nacional era predominantemente caracterizada pelo sistema oligárquico. Nesse contexto, pequenos grupos da elite da época se organizavam de maneira estratégica para exercer controle sobre as esferas do poder local. Esse controle, conforme descrito por Lessa (2015) e fundamentado no conceito-chave de Nunes Leal, era conhecido como coronelismo.
O coronelismo representava uma forma de controle político efetuada pelos líderes regionais, estabelecendo uma estrutura que favorecia aqueles situados no topo da hierarquia política. Isso se tornava ainda mais evidente, especialmente considerando que grande parte da população residia em áreas rurais. Essa dinâmica hierárquica visava a manutenção do sistema de exploração, no qual os mais poderosos detinham influência sobre os menos favorecidos.
De fato, não parece inadequado afirmar que ao longo da história do Congresso brasileiro sempre houve uma presença da frente conservadora, com alguns anos registrando uma concentração mais expressiva do que outros. No entanto, em contraste com o conservadorismo mencionado anteriormente, conforme discutido por Flach e Silva (2019, p. 77), observa-se que o conservadorismo contemporâneo está cada vez mais associado ao fundamentalismo religioso, à meritocracia e a preconceitos relacionados a classe, raça, sexo e gênero.
No que diz respeito aos políticos que compõem a ala conservadora do atual Congresso, sua formação e composição não estão estritamente vinculadas a partidos políticos e ideologias específicas, mas sim evoluíram ao longo do tempo. Após o período de redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988, ocorreu a primeira eleição legislativa pós-repressão durante a ditadura militar. Autores como Mainwaring, Meneguello e Power (2000) observam que, na época, diversos partidos aderiram à tendência conservadora, destacando-se o PDS, o PFL e o PTB. No entanto, houve uma tendência pós-ditadura de negar publicamente ser conservador e de direita, buscando afastar políticos e partidos de uma imagem autoritária, fenômeno conhecido como a "direita envergonhada" (Souza, 1992). Assim, na eleição de 1990, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral, os partidos com inclinação conservadora conquistaram apenas 146 das 503 cadeiras na Câmara dos Deputados e 14 das 31 cadeiras no Senado Federal, incluindo partidos como o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Liberal (PL).
No polo oposto, nas eleições mais recentes de 2022, o cenário se transformou significativamente, uma vez que a direita exercia considerável influência no poder executivo, com Jair Bolsonaro (PL) ocupando a presidência. Bolsonaro, um candidato com inclinação para a extrema-direita (Neto, 2022, p. 92), contou com o apoio de setores religiosos e militares. Consequentemente, com a disseminação dos ideais defendidos pelo ex-presidente, partidos que gradualmente perdiam espaço no parlamento começaram a ganhar destaque. O Partido Liberal (PL), por exemplo, antes do ‘’bolsonarismo’’, detinha sete cadeiras no Senado nas eleições de 2018; posteriormente, nas eleições de 2022, por meio de sua nova aliança com o Bolsonaro, este que vinha como candidato a presidente pelo partido na época, o PL se tornou o partido com a maior bancada, com exatos 13 senadores. Outro partido conservador, o União Brasil, conquistou 9 cadeiras no Senado, enquanto o PSD, com 15 parlamentares em sua bancada, também se destacou nesse contexto. Esse cenário demonstrou a força e crescimento do viés conservador na política.
Além disso, a configuração da Câmara dos Deputados seguiu o mesmo padrão, com o Partido Liberal (PL) elegendo 76 deputados federais, tornando-se o partido com o maior número de parlamentares. O Partido Progressista (PP) conquistou 58 cadeiras, o Republicanos obteve 44, o União Brasil ficou com 51 e o PSD, por sua vez, alcançou 46 cadeiras. O conjunto desses resultados demonstra que mais de 50% do Congresso Nacional é composto por políticos conservadores. Assim, por meio dos números apresentados, é perceptível que os grupos de parlamentares conservadores têm conquistado um número crescente de cadeiras no Congresso Nacional e em outras esferas do poder legislativo, o que contribui para o surgimento de projetos de lei que refletem os ideais que defendem.
Pauta atual influenciada pelo conservadorismo
Portanto, a atual legislatura conservadora difere um pouco de outros períodos da história brasileira. Nesse contexto, bases ideológicas religiosas se uniram ao viés militarista, especialmente com o fortalecimento do fundamentalismo religioso, que impacta a capacidade de crítica à realidade social (Araújo, 2019, p. 27). Fica evidente que essas pautas não são novas na sociedade brasileira, mas representam uma adaptação e fortalecimento do ultraconservadorismo no projeto sócio-histórico do Brasil. Esse fenômeno produz uma liderança quase messiânica no ex-presidente Bolsonaro, direcionando o foco do poder legislativo para partidos com fortes ligações religiosas, em especial o protestantismo.
Nesse contexto, algumas pautas discutidas e levadas à votação recebem apoio com base em costumes e ideologias que favorecem o conceito de conservadorismo, propostas por bancadas de políticos conservadores eleitos. Destaca-se a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, que liderou os debates sobre essas pautas, com a maioria de seus membros atuando na bancada temática evangélica. A comissão é composta por 18 parlamentares, sendo apenas 5 integrantes da frente progressista e apesar de ter apresentado temas importantes para discussão, como a necessidade de maior proteção social, alguns pontos levantados na comissão refletem posicionamentos conservadores que buscam restringir direitos individuais.
Nesse sentido, para evidenciar o fortalecimento do conservadorismo no parlamento, destaca-se como tema de maior destaque no ano de 2023, a retomada do projeto proposto por esses parlamentares, que visava proibir a união de pessoas do mesmo sexo, ou seja, o casamento civil homoafetivo e a formação de sua entidade familiar. O Projeto de Lei (PL) 5167/2009, apresentado pelo ex-deputado Capitão Assumção, buscava alterar o art. 1.521 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil. Em outras palavras, o objetivo era incluir no código civil a impossibilidade do casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. O projeto foi analisado primeiramente pela Comissão da Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família.
Nesta comissão, o relator, deputado Pastor Eurico (PL), apoiou a aprovação do PL 5167/09, afirmando que o casamento tinha apenas a finalidade de procriação. Além disso, fundamentou sua decisão com base no art. 226, parágrafo 3° da Constituição, que define a união estável como composta apenas por homem e mulher perante o Estado. No entanto, é válido destacar que, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, em sua ação como uma corte suprema e constitucional, desde 2011, a união homoafetiva é reconhecida como núcleo familiar, possibilitando aos cartórios a realização desses casamentos, decisão essa tomada julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132.
Por outro lado, a oposição, representada por deputados como Pastor Henrique Vieira, Erika Hilton, e Erika Kokay, formou uma frente fortemente contrária ao Projeto de Lei. Eles discutiram o ferimento da Constituição e moveram uma ação popular para demonstrar a indignação com o projeto. Assim, observa-se diante de algumas opiniões, a possibilidade de entender que dissociar as relações familiares de sujeitos do mesmo sexo viola os direitos humanos e individuais, promovendo uma espécie de segregação que impede a todos de usufruir dos direitos dispostos pelo ideal de uma democracia saudável.
Logo depois, ao final de 2023, o projeto chegou e está sendo analisado pela Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHMIR), esta em que a deputada Luizianne Lins foi à relatora designada, e posteriormente deverá ser analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), assim, se for aprovada, seguirá para o Senado. No entanto, acredita-se que mesmo aprovada em todas as esferas mencionadas, se chegar ao STF, o projeto será derrubado por ser considerado inconstitucional.
Considerações Finais
Diante da situação apresentada, é possível notar que, nas sociedades contemporâneas não apenas se manifesta uma multiplicidade de pensamentos morais, mas também ideológicos que abrangem uma gama tão vasta de questões que facilmente conduzem a desacordos sensíveis no campo político. Contudo, é imperativo construir uma rede sólida de argumentos que garanta a razão e o equilíbrio, visando compreender que essa pluralidade deve coexistir harmoniosamente, sem menosprezar qualquer abordagem, e, dessa forma, preservar o respeito aos direitos fundamentais de todas as pessoas.
Essas considerações fundamentam a estrutura de um projeto democrático bem ordenado, evidenciando que as sociedades precisam ser estruturadas de maneira a fomentar e aprofundar a cooperação entre cidadãos que compartilham o direito à igualdade entre si (Martins de Araújo, 2023, p. 10). Tal abordagem visa conciliar e estabelecer uma relação positiva entre a democracia e as diversas formas de pensamento plural presentes na sociedade contemporânea.
Nesse sentido, durante o processamento das ideias trabalhadas, cabe destaque às cortes constitucionais, órgãos que exercem um papel crucial de guardiãs da Constituição. Desse modo, compreende-se que elas analisam a constitucionalidade das leis que vigoram em um determinado país, disponibilizando, consonante a essas leis, um julgamento acerca da validade dos decretos dispostos pelo poder Executivo e Legislativo. Assim, para seguir as ideias constitucionais, Thiago Sacchetto (2018, p. 02), explica que uma corte constitucional consegue tornar real a aproximação de uma jurisdição com os preceitos democráticos e republicanos por meio de sua função comunicativa, isto é, tornando o Direito Constitucional e suas garantias abrangidas algo inteligível e realístico para os cidadãos.
Entende-se, assim, que as cortes constitucionais possuem amplamente a jurisdição de buscar a melhor solução para situações que constituem a possibilidade de violação da garantia de direitos. No caso em específico, a ideia de indicar a proibição da constituição do núcleo familiar por casais homoafetivos se mostra um tanto regressiva, trazendo à tona o medo de apagar o perfil tradicional e religioso nessas relações. Para tanto, as cortes constitucionais reconhecidas como eficazes no devido processo legislativo garantem que as instituições sigam respeitando a pluralidade e a democracia, portanto, das pessoas que não comungam desses valores tradicionais e religiosos, e com isso, impedem que um projeto conservador possa ofender os direitos fundamentais de certas pessoas ou grupos, mesmo que seja proposto por uma maioria.
Conclui-se com isso, a importância de ressaltar que qualquer ideologia que incline para o extremismo pode representar uma ameaça não apenas ao modelo político democrático, mas também aos direitos das demais pessoas envolvidas. Portanto, é necessário que ideologias reacionárias como o conservadorismo coexistam de maneira equilibrada com as ideologias liberais, ainda que por meio da atuação da justiça constitucional. O equilíbrio e a coexistência respeitosa são essenciais para preservar a integridade do sistema democrático e garantir o respeito aos direitos fundamentais.
Referências
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RIGHETTO, Myriam. História do parlamento: livro didático. 2022. Disponível em: https://repositorio-api.animaeducacao.com.br/server/api/core/bitstreams/f4bf0290-7a40-429e-b60f-ae4da75c2ce9/content. Acesso em: 21 nov. 2023.
SOUZA, M. DO C. C. The Contemporary Faces of the Brazilian Right: An interpretation of Style and Substance. In: CHALMERS, D. A.; SOUZA, M. DO C. C.; BORÓN, A. A. (Eds.). . The right and Democracy in Latin America. New York: Praeger, 1992.
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