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Bacurau (filme)


Bacurau é uma obra cinematográfica brasileira que combina elementos de ação, ficção científica, terror e drama, dirigida por Kleber Mendonça e Juliano Dornelles. O filme recebeu diversos prêmios, destacando-se por ter recebido o Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2019. Um fato interessante sobre o filme é que, embora o roteiro tenha sido produzido em 2009, sua narrativa representa uma realidade que reflete muitos aspectos do contexto sociopolítico contemporâneo. Bacurau aborda questões profundas e incisivas da sociedade brasileira, a trama do filme expõe desafios e injustiças que, lamentavelmente, ainda persistem na sociedade e que demandam reflexão e ação.


O filme ambienta-se em um cenário distópico no interior do nordeste brasileiro, mais especificamente no sertão de Pernambuco, em um período no futuro. A narrativa não se concentra em um protagonista específico, mas sim na própria coletividade de Bacurau. Esta comunidade, apesar de pequena e simples, possui algum acesso a recursos tecnológicos e uma considerável autossuficiência. Apesar da estrutura precária do povoado, Bacurau consegue manter uma escola, contar com uma médica e, de maneira astuta, assegurar a sua própria sobrevivência. O filme revela como essa comunidade enfrenta as adversidades, por meio da resistência e coletivismo.


A narrativa de Bacurau avança quando o professor de geografia, em uma de suas aulas, decide localizar a comunidade de Bacurau no mapa e acaba fazendo uma descoberta alarmante: não há qualquer registro de Bacurau no mapa ou no GPS. Após essa constatação, uma série de eventos perturbadores e inéditos começam a ocorrer no povoado, tais como assassinatos misteriosos, a presença de drones desconhecidos vagando pelos céus e a chegada de forasteiros. O filme segue imergindo em uma narrativa carregada de suspense, explorando a resistência da comunidade de Bacurau diante das ameaças externas.

Bacurau transcende sua narrativa ficcional para se tornar uma interessante alegoria sobre o Brasil, abordando questões sociais e políticas contemporâneas. O filme apresenta uma realidade enfrentada por muitos brasileiros, permeada por um contexto de violência, desigualdade social, marginalização, preconceito, entre outras mazelas. A vila de Bacurau é povoada por uma pluralidade de indivíduos, destacando a diversidade do povo brasileiro. No entanto, essa pluralidade não escapa de dar azo à depreciação e sub-representação de alguns grupos. O filme incita a reflexão sobre a importância de reconhecer e valorizar essa diversidade, bem como a resistir às forças que buscam silenciar as vozes e os direitos desses grupos marginalizados.

A representação do prefeito em Bacurau reflete de maneira clara o descaso constante do Poder Público no Brasil, que muitas vezes falha na efetivação dos direitos fundamentais da população em detrimento de interesses políticos egoístas. A personagem do prefeito é um exemplo vívido dessa indiferença, já que visita o povoado esporadicamente e interage de maneira desumana e indiferente com a comunidade. Diante de sua péssima gestão, a comunidade responde de forma simbólica, escondendo-se e ignorando-o ao máximo, em uma representação do significado do nome "Bacurau", que corresponde à ave que faz ninhos no chão camuflados como uma estratégia de proteção.

O comportamento do prefeito, que recorre a meios coercitivos em resposta à rejeição da comunidade, ilustra a presença da violência institucional, submetendo o povoado a um ambiente ainda mais opressor. Isso acentua as injustiças já perpetuadas pela má gestão e reflete uma clara ruptura com a ideia dos direitos fundamentais, que igualmente servem para conter o poder público contra arbitrariedades e abusos de poder. Ao contrário, o filme destaca como, no contexto retratado, as instituições e as autoridades locais não só falham em proteger esses direitos, mas também os violam.


A representação dessas situações em Bacurau suscita uma reflexão profunda sobre o quanto a efetivação dos direitos fundamentais é deficitária no contexto brasileiro. Mesmo após inúmeras lutas pela conquista desses direitos, a monopolização do poder político por elites, a herança cultural marcada pelo preconceito e repressão, bem como problemas estruturais e mesmo institucionais, têm contribuído para uma estagnação na efetivação desses direitos. O filme serve como um espelho dessa realidade, incentivando a reflexão sobre a necessidade de reformas políticas profundas.

Os direitos fundamentais, ancorados especialmente nos princípios da dignidade humana, igualdade e liberdade, representam os alicerces da proteção dos direitos inerentes a todo ser humano. Eles desempenham um papel central na orientação do sistema jurídico de um país, servindo como uma ponte para a integração de direitos humanos em um patamar absoluto na hierarquia jurídica. Isso significa que os interesses amparados pelos direitos fundamentais devem prevalecer sobre quaisquer outros que não compartilhem o mesmo status de fundamentalidade.

Conforme a Constituição de 1988, os direitos fundamentais no Brasil podem ser classificados em diferentes categorias e dimensões, incluindo os direitos individuais, sociais, de nacionalidade e políticos. Os direitos sociais, como o direito à saúde e à educação, demandam uma atuação mais ativa do Estado para serem efetivamente garantidos. Contudo, a realidade brasileira evidencia uma tendência contrária a esse ideal. A violação desses direitos tem graves consequências à vida humana, ao equiparar indivíduos a meros objetos, passíveis de descarte em troca de interesses econômicos, como é ilustrado no filme Bacurau. A omissão do Estado e a opressão são problemas graves que afetam muitos segmentos da sociedade. Apesar das garantias constitucionais, há uma grande lacuna entre o que está estabelecido na lei e o que é vivenciado no dia a dia.

Diante de tudo, a resistência, ao longo da narrativa de Bacurau, emerge como um elemento central. A comunidade de Bacurau, mesmo enfrentando um cenário de indiferença, ameaças constantes, um histórico de adversidades e marginalização, mantém-se resiliente.

Por isso, é importante frisar que quem nasce em Bacurau É GENTE! Se for, vá na paz!

 

MUNIZ RIBEIRO, Maeli Marta. QUEM NASCE EM BACURAU É O QUÊ? É GENTE”: ANÁLISE DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS A PARTIR DO FILME BACURAU. Revista Binacional Brasil-Argentina: Diálogo entre as ciências, v. 11, n. 02, p. 47–62, 2022. Disponível em: <https://periodicos2.uesb.br/index.php/rbba/article/view/11249>. Acesso em: 8 nov. 2023.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.

 

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