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Da ditadura militar à Constituição Cidadã: a questão da censura musical no Brasil

Por: Ludmila Pereira



O cenário de privação de liberdades individuais foi característico de uma das épocas mais cruéis e autoritárias da história do Brasil: o período em que vigorava entre nós uma cruel ditadura militar. Uma das formas de limitação características desse período foi a censura, a qual esteve presente no cerceamento das manifestações de diferentes setores da sociedade, como, por exemplo, na comunicação jornalística, no conhecimento produzido nas universidades, no campo ideológico dos grupos políticos e, inclusive, no campo das expressões artísticas, como a música - protagonista da presente discussão.


Nesse sentido, não nos é estranho que muitas das letras que preenchiam canções de renomados cantores fossem vetadas da divulgação ao público pelo Governo, ao mesmo tempo em que nosso país experimentou um processo de crescimento da indústria cultural musical durante os anos 70. Além de estarem passando, à época, por um processo de popularização enquanto estilos musicais, a MPB tropicalista não-tradicional, o samba e o rock também acabaram se voltando para uma posição de resistência aos desmandos dos militares, o que os tornou alvos preferenciais da censura.


Mas como, de fato, essa censura era realizada no período ditatorial militar? Primeiramente, é importante ressaltar que a censura prévia estava legalizada desde a Constituição de 1934, de modo que ela foi sofrendo adaptações até o período da ditadura militar, quando tornou-se mais incisiva, especialmente com o estabelecimento da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) em 1972, órgão encarregado pela censura. Com isso, a censura federal passou a centralizar-se em Brasília – o que gerou, inclusive, conflitos entre a Central e as censuras regionais – dessa maneira, peças teatrais, músicas e outras formas de produção cultural e diversões públicas passaram a ser revisadas pelos censores, as quais poderiam ter sua divulgação aprovada, modificada ou completamente vetada.


Em geral, sobre os conteúdos censurados nas músicas, é possível identificar desde motivações prosaicas, como o cometimento de erros ortográficos, até o fato de elas “serem nocivas aos bons costumes” ou “irem contra os interesses nacionais”, o que significava, na época, impor resistências ao sistema desumano e impiedoso que imperava. Pode-se, e é de bom tom, lembrar de grandes nomes que lutaram através de sua arte contra esse sistema opressor, tais como Chico Buarque, Gonzaguinha, Elis Regina, Raul Seixas, Milton Nascimento, Gilberto Gil e muitos outros.


Partindo para o cenário pós-ditadura, uma das grandes conquistas alcançadas por meio da Constituição Federal de 1988 foi a proibição da censura prévia e a consagração da liberdade de expressão como um direito fundamental, dispondo em seu artigo 5°, inciso IX: “ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, desempenhando, dessa forma, um papel extremamente importante para a garantia de uma vida digna para tantos setores sociais violentados e calados pela ditadura.


Mesmo que não seja o foco central desta discussão, é importante rememorar que há situações em que a liberdade de expressão pode ser exercida de forma abusiva, prejudicando outros direitos fundamentais. Nesses casos, as restrições inerentes ao exercício de qualquer liberdade fundamental devem ser suscitadas, ainda que o conteúdo esteja sendo veicula por meio da expressão artística. Portanto, a expressão artística não está imune a restrições jurídica, desde que essas restrições se justifiquem para evitar violações de outros direitos ligados à dignidade, especialmente quando envolvem manifestações racistas, transfóbicas ou misóginas. No caso das canções de protesto, estava-se a veicular à atividade política e ao sistema político, manifestações que devem ser garantidas a qualquer custo em seu conteúdo, em virtude de sua natureza democrática.


É importante destacar, ademais, que, não obstante a garantia institucionalizada e normativa da liberdade artística na CF de 1988 como direito fundamental, é possível sugerir a existência de “censuras sociais” para com estilos musicais marginalizados, que são discriminados por serem criados em um contexto periférico, produzidos por pessoas pretas, com letras e danças compostas por pessoas trans ou, em síntese, produzidos por pessoas que não são alcançadas pelos “olhos da lei”.


A crescente influência de setores do capital, como o agronegócio, na promoção de certos estilos musicais através de investimentos pesados, representa uma tendência preocupante no cenário da indústria musical. Embora seja natural que empresas busquem promover suas marcas e produtos por meio da música, a linha entre o apoio legítimo à cultura e a censura disfarçada começa a se tornar tênue. Quando certos estilos musicais são inflados em plataformas de streaming e em rádios devido a investimentos significativos, isso pode levar à marginalização de outras formas de expressão artística e à limitação da diversidade musical.


A música é uma poderosa ferramenta de expressão e conexão cultural, e a influência desproporcional de interesses financeiros pode minar a autenticidade e a liberdade criativa da indústria musical. É fundamental que a promoção de estilos musicais seja guiada por critérios artísticos e culturais, preservando a pluralidade e a liberdade de expressão que fazem da música uma forma tão rica de comunicação.


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Referências:

ALMEIDA, Luciana Schleder. PANDEMIA,“AGRO” E “SOFRÊNCIA”: JORNALISMO, PROPAGANDA E ENTRETENIMENTO NO DEBATE PÚBLICO SOBRE O MODELO AGRÍCOLA. Estudos Históricos (Rio de Janeiro), v. 34, p. 367-383, 2021.

CAROCHA, Maika Lois. A censura musical durante o regime militar (1964-1985). História: Questões & Debates, v. 44, n. 1, jun. 2006. ISSN 2447-8261. doi:http://dx.doi.org/10.5380/his.v44i0.7940.

SOARES, Fabio Costa. Liberdade de comunicação: proibição de censura e limites. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 25, 2016. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/11/normatividadejuridica_60.pdf. Acesso em: 30 set. 2023


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