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Jurisdição e democracia: apontamentos sobre representatividade do STF


Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem ganhado destaque nas discussões políticas nacionais. Esse protagonismo pode ser explicado, entre outros fatores, pela expansão do rol de direitos fundamentais, pela utilização de conceitos jurídicos indeterminados dispersos pelo texto constitucional, pelo alargamento de competências do STF, bem como pela ampliação dos legitimados para propor ações constitucionais, etc.

Tais novidades facilitaram uma atuação mais incisiva do Supremo Tribunal Federal na política. A proeminência do STF, contudo, não se deu de forma imediata, mas gradativa. Desde a promulgação da CF/88, a corte partiu de uma postura institucional mais omissiva e contida, adotando posteriormente uma conduta deferente, até chegar a um comportamento responsivo e, por vezes, usurpador de competências.

Nos últimos anos, intensificaram-se as pesquisas e reportagens em torno do Supremo e de seus ministros, que passaram a ser visualizados pela mídia e pela opinião pública como peças centrais da política brasileira. Ao mesmo tempo, as instâncias de representação eleitoral (poderes Executivo e Legislativo) experimentam uma constante crise de representatividade, a qual gera na população um sentimento de distanciamento e não representação em relação aos sujeitos eleitos.

Teóricos explicam que há outras formas de representatividade fundamentadas em elementos de legitimação diferentes do voto. As cortes constitucionais arrogam para si legitimidade democrática a partir da noção de “representação autoinstituída”. Em outras palavras, o Judiciário, por conta de seu caráter pró-minoritário, seria o local adequado à representação para solucionar temas de interesse das minorias, cujas vozes não encontram eco perante as instâncias eleitorais e nos anseios da maioria. Dessa forma, a representatividade política das cortes decorreria da dificuldade dos sistemas eleitorais em fazer efetivamente democráticos os seus resultados e decisões.

Nesse cenário, a tese da representação argumentativa é essencial para sustentar o caráter político representativo do STF. Por isso, muitos de seus Ministros recorrem à ela na tentativa de envernizar com legitimidade democrática suas decisões. De acordo com esse entendimento, direitos fundamentais são protegidos quando juízes argumentam de maneira qualificada, argumentação esta que opera, simultaneamente, como instrumento de legitimidade democrática e critério de controle sobre o corpo político não eleito. A tese, por fim, sugere que um regime democrático não poderia basear-se exclusivamente na lógica da decisão por maioria.

A título de exemplo, alguns ministros do STF sugerem que a corte está apta a mover a roda da história na direção de caminhos mais iluminados, ainda que à revelia da vontade popular, enquanto outros arrogam para a corte a função de poder moderador da República, portanto, acima dos demais. Em algumas ocasiões, a corte decide ensinar os poderes, quando decide a partir de sua função pedagógica, em outros casos, principalmente os de alta voltagem política, reconhece que precisa dialogar com os outros poderes para legitimar sua decisão. A corte ainda, em determinadas situações e contrariando os itens anteriores, considera que precisa ouvir os clamores da sociedade e se submeter à vontade popular.

A recente proeminência do STF dentro do sistema político-institucional, associada à formulação teórica da representação argumentativa permite aos ministros do STF vestir a camisa de representantes democráticos em contextos diversos, com finalidades distintas e até conflitantes, mas sem que compreendam ou assumam os ônus relativos à representação política. Embora defendam sua representatividade política democrática, os ministros não estão dispostos a retirar a toga e assumir os riscos e os controles inerentes à esfera político-eleitoral, o que reforça o misticismo em torno da legitimidade do Supremo e reduz o debate político à esfera do judiciário, onde as decisões são tomadas monocraticamente ou em um colegiado de onze ministros.

De um ponto de vista crítico, é relevante questionar:

a) quais minorias o Supremo Tribunal Federal estaria apto a representar, considerando a origem dos ministros nos elevados estratos socioeconômicos e a dependência de vínculos com políticos de elite para a indicação presidencial?

b) recorrer ao STF como instância representativa é a solução para o problema da crise de representatividade? Ou implica um aprofundamento do distanciamento entre representantes e representados, uma vez que a advocacia constitucional não é gratuita?

d) se as decisões políticas dos representantes eleitorais podem ser controladas formal e materialmente pelo STF, qual instância seria responsável pela revisão das decisões judiciais do Supremo enquanto representante político?

e) quem estaria apto a exercer o controle de constitucionalidade sobre a argumentação adotada pela corte constitucional enquanto representante política e dentro do sistema político-institucional brasileiro?


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