Indicação feita por Beatriz Beckman
O livro Tanques e Togas retrata a interferência (ou não interferência) do Supremo Tribunal Federal na política do período de ditadura militar. Em síntese, a obra revela que o Supremo de 1964 não é o mesmo que se observa pós-constituição de 1988, nem se assemelha ao tribunal de 2017, cujos ministros se tornaram agentes públicos proeminentes. O livro foi escrito por Felipe Recondo, jornalista e sócio-fundador do site JOTA, especializado em informações jurídicas. Recondo é autor de outro livro essencial para aquelas pessoas que pretendem aprofundar os conhecimentos sobre o STF contemporâneo, Os Onze (2019).
Logo no início do livro, o autor relata as interrelações acordadas entre os poderes para a instituição da autodenominada “revolução vitoriosa”. Nos capítulos iniciais, o leitor é transportado diretamente aos lugares onde foram forjadas articulações para que o Congresso determinasse a ausência de João Goulart da presidência e a eleição de Castelo Branco, atribuindo a esses atos autoritários camadas superficiais de legalidade e constitucionalidade. Em seguida, é possível analisar como a instituição do primeiro Ato Institucional limitou os poderes do Judiciário, transferia poderes do Legislativo para o Executivo, suspendia garantias e direitos fundamentais e permitia ao Presidente da República cassar mandatos e cancelar direitos políticos. Para legitimar tais ações, os militares concederam a si próprios poderes constitucionais.
Nos primeiros anos da ditadura militar no Brasil, regidos pelo General Castelo Branco, o Supremo aplicou o direito vigente, tendo como respaldo as leis, enquanto não havia a reforma do arcabouço legal promovido pelos militares para que eles atingissem seus objetivos mais comezinhos. Dessa maneira, o estado de direito aplicado pelo STF não se confundia, inicialmente, com a “legalidade revolucionária” defendida pelos militares. Como consequência, o Supremo julgava de uma forma, mas o Executivo concretizava de modo diferente. Nesse viés, as leis nacionais resguardadas dos ímpetos autoritários do Executivo permitiram à Corte explorar o hiato existente entre o país real e o país de fato.
Nessa perspectiva, o Supremo mantinha as condenações impostas pelos militares, mas aplicava apenas as que já estavam sendo postas em prática, evitando entrar em conflito direito com os militares. Com efeito, vaticina Recondo: “os tanques e as baionetas do Exército estão acima das leis, da constituição e, portanto, do Supremo Tribunal Federal”.
Tanques e Togas é leitura indispensável para juristas, historiadores, cientistas políticos e interessados em investigar como o direito pode ser instrumentalizado para servir a propósitos escusos e que, desacompanhado de ares democráticos e do espírito do Estado de Direito, não consegue resistir ao arbítrio de governantes autoritários. Que o livro possa servir ao leitor como lembrança e alerta.
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