Por Camilla Bahia e Breno Baia
O princípio da impessoalidade norteia a atuação da Administração Pública e está constitucionalmente consagrado no caput do artigo 37 da Constituição Federal. Trata-se de norma constitucional que comporta múltiplas interpretações, dentre as mais correntes, podemos colher aquela que impõe à administração uma condução da coisa pública de modo a não prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas. Dessa forma, podemos extrair que uma das preocupações da impessoalidade na via administração é com o direito à igualdade devido pelo Estado às pessoas.
A fim de atingir a louvável e necessária meta de levar aos cidadãos informações sobre as ações públicas, corolário do postulado constitucional da publicidade, governantes têm focado sua atenção para o meio mais efetivo de transmissão de informações no século XXI: as redes sociais. Diferentemente de outros meios de publicidade subvencionadas pelo Estado em canais não oficiais, como jornais e canais de televisão privados, as redes sociais ainda não dispõem de regras explícitas sobre os limites de conteúdo e o grau de escrutínio público sobre as postagens oriundas de canais oficiais do governo.
Colocadas essas questões, questiona-se: um órgão oficial pode singularizar algumas pessoas para lhes endereçaram críticas sobre manifestações feitas contra o governo de turno? O governo viola a impessoalidade administrativa quando publica mensagens que são consideradas como mentirosas pelos gestores das plataformas sociais?
Segundo consta do site oficial da Secretaria Especial de Comunicação Social (SECOM), o órgão é responsável pela comunicação do Governo Federal, de forma a garantir que informações de interesse público, que vão desde direitos e serviços a projetos e políticas governamentais, sejam publicadas, caracterizando-se, portanto, como uma ferramenta referencial de boas práticas de comunicação entre o Governo Federal e a Sociedade.
No início do ano passado (2020), a Secom escolheu como alvo a cineasta brasileira indicada ao Oscar Petra Costa. Na ocasião, a Secretaria destacou seu twitter oficial, para difamar a cineasta, acusando-a de “militante anti-Brasil” e culpando-a de ultrajar a imagem do País no exterior, considerando ficção seus apontamentos políticos documentados e reforçados em entrevista. No final desse mesmo ano, a Secretaria, ainda por meio do twitter, vociferou contra o ator Marcelo Adnet após este divulgar paródia sobre um vídeo de campanha do Governo Federal. No início do ano de 2021, relatório de setores da controladoria do TCU concluiu que a Secom realizara propaganda pessoal do presidente, distante da salutar propaganda institucional.
Ao longo do ano passado o perfil do Ministérios da Saúde viu um punhado de suas postagens marcadas pelo twitter como propagadoras de informações enganosas. O ponto alto dessas medidas foi a exclusão da postagem do perfil do Presidente da República que agitava contra o isolamento social e urgia para que as pessoas se aglomerassem nas ruas.
As manifestações virtuais dos perfis oficiais do Governo e do Presidente, como as apresentadas parecem desviar de sua função primordial, qual seja, a de estabelecer um canal de comunicação entre Governo e sociedade de modo impessoal e imparcial, sem a demonstração de favoritismos, proporcionando a disseminação de informações seguras de interesse público para a população.
Sobre o tema, seguem algumas inquietações:
1) Os princípios da administração pública são pautas morais que prescrevem condutas para o administrador ou norma jurídicas capazes de anular atos concretos? Como a segunda opção parece a mais correntes no Brasil, resta saber como a avaliação dos casos será feita pelo Judiciário, pois os critérios de revisão são por demais abstratos – “informações enganosas” que violam interesse público e críticas pessoais que afetam a “igualdade de tratamento”;
2) Perfis públicos oficiais sediados em plataformas sociais privadas devem sofrer o mesmo grau de escrutínio daqueles hospedados em sítios oficiais? O nó górdio da questão está em saber se o perfil privado de um agente público ou de um órgão administrativo perde essa característica quando decide manifestar ataques direcionados a algumas pessoas ideologicamente opositoras do atual governo ou propaga informações enganosas;
3) Os juízos sobre a inveracidade das informações propagandeadas em perfis oficiais do governo, formuladas pelos administradores das plataformas sociais privadas, deve ser levado em consideração ao julgarmos atos administrativos supostamente violadores da impessoalidade ou o ato privado também estará sujeito à revisão judicial?
Comentarios