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Direito ao esquecimento e liberdade de expressão

Palavras jogadas ao vento e notícias postadas na internet são impossíveis de serem retiradas. Palavras, no entanto, não importa quão dolorosas sejam, podem ser esquecidas. Poderíamos dizer o mesmo sobre as notícias a nós agregadas e organizadas por mecanismos de busca da internet?


Como todas as curiosas novidades que surgem no além-mar, o direito ao esquecimento aportou, definitivamente, em nosso hospitaleiro direito constitucional. Subproduto de incursões pelos mares incertos da internet, o direito ao esquecimento parece mesclar a tradição europeia de ressocialização criminal limitadora da liberdade de imprensa com a necessidade contemporânea de protegermos nossos dados lançados em mares digitais ainda não cartografados.



Em 2014, o Tribunal de Justiça da União Europeia determinou que o Google deveria considerar solicitações para a remoção de links para páginas da web. A remoção deve fundamentar-se em resultados de pesquisa que "parecem inadequados, irrelevantes ou não são mais relevantes ou excessivos à luz do tempo decorrido". O Sr. Mario González pediu a remoção de um link que dava acesso a um artigo jornalístico de 1998 que noticiava o leilão de sua propriedade, decorrente de débitos tributários.


1) Um direito a ser esquecido, não lembrado ou de desindexação?

A fundamentação do direito ao esquecimento é a privacidade da pessoa, ao dificultar o acesso a fatos que, por representarem águas passadas, não poderão ser mais trazidos à tona. O direito garantiria o autodesenvolvimento da personalidade. A fundamentação na privacidade acoberta tanto as hipóteses de pessoas que pretendem se ressocializar após o cometimento de um crime e do cumprimento de sua pena, como as pessoas que possuem informações e dados postados na internet. Entretanto, nos parece ser preciso separar o conteúdo do direito de suas consequências práticas. Se temos um direito de controlar o fluxo de informações (não apenas os dados) sobre fatos que nos digam respeito, isso não significa que as pessoas ou a comunidade irão “esquecê-las” ou que teremos um direito de deletá-las. Nesse sentido, utilizar a conceito de ‘esquecimento’ pode dificultar a concretização do direito, pois as respostas judiciais nunca poderão cumprir com a promessa que lhe foi vendida. Melhor seria cindir a categorização desses direitos em uma garantia à ressocialização e à desindexação, os quais atrairiam diferentes respostas judiciais para sua implementação.


2) A efetividade do direito à desindexação:

A desindexação judicial do nome da pessoa a links desabonadores não será garantia de que sua autonomia individual se desenvolverá normalmente. A pessoa poderá pedir que se dificulte o acesso à notícia que deu ensejo ao processo judicial, mas não às notícias sobre o julgado ou os estudos acadêmicos sobre o precedente. A busca pelo Google, por vias transversas, manterá o fato sempre na superfície enquanto criar resultados de buscas se digitarmos os nomes das pessoas envolvidas no caso, ainda que o link da notícia original esteja profundamente submerso.

Muito embora seja o mecanismo mais acessado, os pedidos de desindexação não alcançam outros mecanismos de busca fora da Europa, em face da inexistência de parâmetros internacionais e do reconhecimento desse direito como um Direito Humano. Por fim, muitos dos conteúdos apagados ainda podem ser acessados por meio da deep web. A desindexação é, literalmente, a ponta do iceberg.


3) Google, o guardião do oblívio digital:

formulário feitos, mantidos e avaliados pelo Google permitem que qualquer pessoa requeira a desindexação. A decisão europeia atribuiu ao mecanismo de busca o pesado ônus de proteção de direitos fundamentais relativos à personalidade, na medida em que competirá à plataforma avaliar os critérios que justificam a desindexação: I) O fator tempo (a delimitação da data em que a notícia passará da relevância à inconveniência); II) a relevância histórica da notícia (o direito ao esquecimento não lançara bote salva-vidas para pessoas envolvidas em casos notórios) e III) o interesse público da informação. Em 2015, Google informou que 95% dos pedidos administrativos dizem respeito a pessoas que querem apagar informações vitais sobre suas vidas, como, por exemplo, o médico britânico condenado por erros médicos que deseja retirar 50 links incriminadores. O processo de análise e o critério decisório da plataforma não são divulgados ao público.


4) Quem são os titulares do direito ao esquecimento?

O STF julgará o caso em que familiares da vítima de crime ocorrido há 60 anos requerem a não exibição por programa televisivo que reencenara o fato. O caso conjuga todos os problemas que circundam o tema: não se alega um direito à ressocialização de um réu, apto a limitar direitos da imprensa; a requisição não pretende corrigir, dificultar ou remover links, mas impedir a veiculação de uma informação e o caso Ainda Curi faz parte do rol dos crimes que adentraram no imaginário popular. A depender de sua decisão, o STF poderá aprofundar os problemas se agregar o caso como uma hipótese de esquecimento, em detrimento de avaliações restrita aos direitos de imagem, ou poderá emergir com uma decisão que esclareça as diferenças na incidência dos direitos da personalidade em cada caso, sob pena de afogar a liberdade de expressar.


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